Programação

  • Desenvolvimento Moral


    Piaget (1932), as crianças nascem na anomia, ou seja, na ausência total de regras. Até os três anos a criança já ouviu algumas correções de seus pais, quando já não foi punida, infelizmente, às vezes, até fisicamente, porém, a sua inteligência sensório- motora ainda representa um empecilho para a construção da primeira forma de moral: a heteronomia. 

    Para o autor, a heteronomia, ou a primeira fase do desenvolvimento moral infantil é chamada de moral da obediência, pois diz respeito às primeiras formas da consciência do dever na criança e que se fundamentam nas atitudes das crianças que obedecem ou deveriam obedecer as regras impostas pelos mais velhos – seus pais, irmãos, professores e outros adultos com os quais convive – ao reconhecer neles, a fonte e o modelo dessas regras.

    "É bom todo ato que testemunhe uma obediência à regra ou mesmo uma obediência aos adultos, quaisquer que seja as instruções que prescrevam; é mau todo ato não conforme as regras. Portanto, a regra não é absolutamente uma realidade elaborada pela consciência, nem mesmo julgada ou interpretada pela consciência: é dada tal e qual, já é pronta, exteriormente à consciência; além disso, é concebida como revelada pelo adulto e imposta por ele. Então, o bem se define rigorosamente pela obediência". (Piaget, 1932/1994, p. 93). 

    Para Piaget, o menino heterônomo obedece a partir de um controle interno já existente, instalado pelo reconhecimento da autoridade na pessoa dos seus pais e desta forma pode-se caracterizá-lo moral. A obediência é o primeiro constructo que investigamos nas concepções educativas dos pais e educadores.

    A moral da obediência ou a heteronomia é absolutamente caracterizada pelo respeito unilateral pelo adulto e por suas regras. A origem da moralidade é o senso de obrigação que se origina pelo sentimento de respeito.

    "Acontece, de fato, que a criança em presença de seus pais, tem espontaneamente a impressão de ser ultrapassada por algo superior a ela. Logo, o respeito mergulha suas raízes em certos sentimentos inatos e resulta de uma mistura sui generis de medo e afeição, que se desenvolve em função das relações da criança com seu ambiente adulto". (Piaget, 1932/1994, p. 279)

    Esse primeiro tipo de sentimento – o respeito unilateral – é um sentimento experimentado pelos pequenos em relação aos maiores e explica a gênese da moralidade, na medida em que a criança em contato com o outro, experimenta a convivência com as regras e as percebe como sagradas e como imutáveis porque oriundas de alguém por quem a criança sente simpatia, além de medo ou temor, que inicialmente é temor do castigo pela desobediência, receio de perder o afeto e os cuidados desse adulto, ou seja, o respeito unilateral, próprio das relações de moral heterônoma. O respeito é o segundo construto da presente pesquisa. Trata-se do primeiro sentimento moral. Conforme Turiel (2005, p. 22) para que possamos entender o tipo de abordagem de moralidade proposta por Piaget, é importante considerar a sua visão de que a abordagem emocional está conectada ao raciocínio moral e seu desenvolvimento, sendo o respeito, entre a simpatia, a compaixão e os afetos o principal sentimento identificado por Piaget.

    Segundo a conceituação de Piaget:

    "O respeito unilateral ou respeito do menor pelo maior desempenha um papel essencial: leva a criança a aceitar todas as instruções transmitidas pelos pais e é assim o grande fator de continuidade das gerações. [...] O respeito mútuo aparece como a condição necessária da autonomia, sob seu duplo aspecto intelectual e moral. Do ponto de vista intelectual, liberta a criança das opiniões impostas, em proveito da coerência interna e do controle recíproco. Do ponto de vista moral, substitui as normas da autoridade pela norma imanente à própria ação e à própria consciência, que é a reciprocidade na simpatia". (Piaget, 1932/1994, p. 91)

    Pensando no papel da educação moral em relação ao construto: respeito, duas importantes considerações se apresentam: 

    A primeira é que: ainda que não seja suficiente para a construção da moralidade, o respeito unilateral tem a sua importância para tal construção, enquanto gênese da moralidade na criança. Logo, se os pais abdicam de seu papel enquanto fonte e modelo de regras, as crianças permanecem na anomia.

    "... o respeito unilateral é de grande  importância prática, porque é assim que se constitui a consciência elementar do dever e o primeiro controle normativo do qual a criança é capaz. Mas parece-nos evidente que esta aquisição não basta para constituir a verdadeira moralidade" (Piaget, 1932/2000, p.299)

    Por outro lado, se os pais insistem na heteronomia, impondo às crianças regras inquestionáveis, acreditando que os filhos devam acatar as ordens dos pais, e não se disponibilizando a explicar as justificativas para tais regras, negando-se também a dialogarem com seus filhos, e inclusive fazendo-se valer de ofensas, sob o pretexto de educá-los, estarão reforçando através do respeito unilateral, a permanência do sujeito na heteronomia através de relações interindividuais fundamentadas na coação:

    "A grande diferença entre a coação e a cooperação, ou entre o respeito unilateral e o respeito mútuo, é que a primeira impõe crenças ou regras completamente feitas, para serem adotadas em bloco, e a segunda apenas propõe um método de controle recíproco e de verificação no campo intelectual, de discussão e de justificação no domínio moral" (Piaget, 1932/1994, p. 83)

    Portanto, educação moral é um processo que é favorecido pela reciprocidade e pelo respeito mútuo. Auxiliar a criança a conhecer e respeitar as regras, refletindo sobre elas, compreendendo os seus princípios de modo que ela possa expor seus pontos de vista e tenha a oportunidade de realizar escolhas, arcar com as conseqüências de seus atos e trocar pontos de vista, para que, quando for adulta, possa ter legitimado as regras e tê-las compreendido como representadoras do bem comum, implica em um processo complexo no qual os tipos de relações interindividuais vivenciadas, farão toda a diferença: “Regra supõe respeito e este implica autoridade, disciplina, referência, entrega e sobretudo trabalho e construção”. (Macedo, 1996, p.194).  

    Piaget, afirma que:

    "Primeiro, é preciso distinguir, o mútuo consentimento em geral e o respeito mútuo. Pode haver mútuo consentimento no vício, porque nada impede que as tendências anárquicas de um indivíduo convirjam para as do outro. Ao contrário, quem diz “respeito” (isso é verdadeiro, pelo menos no tocante ao respeito mútuo) diz admiração por uma personalidade, enquanto, justamente, essa personalidade se submete as regras. Portanto, só poderá haver respeito mútuo por aquilo que os próprios indivíduos considerarem como moralidade.” (Piaget, 1932/1994, p. 84)

    A questão é que Piaget o desenvolvimento do juízo moral envolve um processo de diferenciação sobre a reciprocidade e a justiça do como agir em relação as regras e à autoridade. 

    O sentimento de justiça tem um significado todo especial para a teoria do juízo moral em Piaget (1932/1994). Segundo ele, a justiça é a condição imanente e a lei de equilíbrio das relações, e, dessa forma, as noções de justo e injusto são elaboradas pela criança e se desenvolvem normalmente à revelia da interferência do adulto, como fruto das relações de cooperação:

    "...se o aspecto afetivo da cooperação e da reciprocidade escapa do interrogatório, há uma noção, a mais racional, sem dúvida, das noções morais, que parece resultar diretamente da cooperação, cuja análise psicológica pode ser tentada sem muitas dificuldades: a noção da justiça". (Piaget, 1932/1994, p.156).

    "Há duas noções distintas de justiça. Dizemos que uma sanção é injusta quando pune o inocente, recompensa um culpado ou, em geral, não é dosada na proporção exata do mérito ou da falta. Dizemos, por outro lado, que uma repartição é injusta quando favorece uns à custa de outros. Nesta segunda acepção, a idéia de justiça implica apenas a idéia de igualdade. Na primeira acepção, a noção de justiça é inseparável daquela de sanção e define-se pela correlação entre os atos e sua retribuição". (Piaget, 1932/1994, p. 157)

    Piaget (1932/1994) encontrou essa forma de justiça entre as crianças mais novas, todavia alega que:

    "Para uns, a sanção é justa e necessária; e tanto mais justa quanto mais severa; é eficaz no sentido de que a criança devidamente castigada saberá, melhor que a outra, cumprir seu dever. [...] essa noção, subsiste em qualquer idade, mesmo entre muitos adultos, favorecido por certos tipos de reações familiares ou sociais." (Piaget, 1932/1994, p. 159) 

    Para o autor, dois elementos constituem a justiça retributiva: as noções de expiação e recompensa, e por outro lado, a reposição ou reparação, que constitui o elo de solidariedade com o grupo, quebrado pelo “culpado” ao descumprir a regra. Da mesma forma pode-se afirmar a existência de três origens para os aspectos principais da retribuição: “certas reações individuais condicionam o aparecimento da retribuição, a coação adulta explica a formação da noção da expiação, e a cooperação explica os destinos ulteriores da noção de sanção.” (Piaget, 1932/1994, p.241)

    Sobre punição Piaget (1932/1994, p.241) afirma que a intervenção do adulto desempenha uma função de, somada aos fatores individuais, desencadear psicologicamente na criança a idéia de sanção expiatória. Porque a criança gosta de seus pais e desde bebê tem seus comportamentos sancionados por eles, acaba por compreender a sanção como moralmente obrigatória, pois para ela, aceitar as punições constitui a mais natural das reparações. Conforme as palavras do autor:

    "Esta noção ‘primitiva’ e materialista da sanção expiatória, portanto, não é, segundo nós, imposta tal e qual pelo adulto à criança, e talvez nunca tenha sido inventada por uma consciência psicologicamente adulta. Mas é o produto fatal da punição, sendo esta refratada através da mentalidade misticamente realista da criança." (Piaget, 1932/1994, p.241)

    A proposta de Piaget (1932/1994, p.162) é que, quando uma regra é quebrada, e com isso o elo de solidariedade com o grupo é desfeito, devem se utilizar sansões por reciprocidade que fazem compreender ao culpado o significado de sua falta: há relação de conteúdo e de natureza entre falta e punição. “Constatamos que a sanção que parece mais justa no estágio da cooperação é aquela que deriva da ideia da reciprocidade”. (Piaget, 1932/1994, p. 273)

    A autoridade como tal não poderia ser fonte de justiça, porque o desenvolvimento da justiça supõe a autonomia. Naturalmente, isto não significa que o adulto não tenha nada a ver no desenvolvimento da justiça, mesmo distributiva. À medida que ele pratica a reciprocidade com a criança e prega com o exemplo e não apenas com as palavras, exerce, aqui como em tudo, sua enorme influência. (Piaget, 1932/1994, p.239).

    Em outras palavras, a proposta do respeito mútuo, da obediência aos princípios de justiça que nascem das relações de cooperação, é o caminho único para a construção da autonomia.