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  • AVISOS

    Highlighted

    10/11/2017
    Caros alunos, já está disponível no link acima o resultado das notas.

    Boas festas!

  • EXPOSIÇÕES EM CARTAZ

    "Ready Made in Brasil"
    De 10 de outubro de 2017 a 28 de janeiro de 2018
    Galeria de Arte Centro Cultural Fiesp
    Av. Paulista, 1313
    Diariamente, das 10h às 20h. Entrada gratuita.

    "No subúrbio da modernidade – Di Cavalcanti 120 anos"
    De 2 de setembro de 2017 a 22 de janeiro de 2018
    Pinacoteca do Estado de São Paulo
    Praça da Luz, 02.
    Quarta a segunda, das 10h às 17h30. R$ 6 (inteira) e R$ 3 (meia). Grátis aos sábados.

    "Di Cavalcanti: Papel em Destaque"
    A partir de 26 de setembro de 2017
    Galeria da Reitoria
    Rua da Reitoria, 374 - Cidade Universitária 
    Segunda a sexta, das 9h às 18. Entrada gratuita.

  • AULA I – 1/08: Apresentação do programa de curso e introdução geral à história da arte moderna

    RESUMO DA AULA

    • O MAC, com outros três museus – Museu Paulista (“Museu do Ipiranga”), MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia) e Museu de Zoologia – faz parte do corpo de museus universitários da USP.
    • A disciplina tem o objetivo de tratar de questões de arte moderna a partir de algumas obras do acervo do MAC. A ideia não é elaborar uma história geral de arte moderna, mas qual história da arte moderna o acervo do MAC pode contar.
    • O ponto fundamental da disciplina será a análise das obras. Começaremos com algumas aulas introdutórias de história da arte moderna para depois partir para as análises. O historiador da arte deve saber como trabalhar com a obra e formar um repertório.
    • A partir da 4a aula, começaremos a aula pelas galerias, e na segunda parte trabalharemos conceitos teóricos, a partir de questões levantadas pelas obras.
    • Trabalharemos com a galeria do 7o andar, que abriga obras da primeira metade do séc. XX – Arte Moderna do acervo do MAC USP. Esta galeria é parte da exposição “Visões da arte no acervo do MAC USP. 1900-2000”, mostra permanente de apresentação do acervo do MAC USP.
    • Avaliação: a prova será dissertativa. Compreenderá questões tratadas durante as aulas e a análise de uma das obras vistas em curso.
    • Artistas brasileiros e estrangeiros tratados na mesma aula: há um debate recente sobre o que caracterizaria a arte brasileira, e a ideia mesma de conceituar a produção artística aqui a partir de uma terminologia que parte da noção de identidade nacional. No Brasil, por muito tempo tal dispositivo foi usado como análise para entender a produção nacional. Falava-se em “influência”, como uma produção de segunda ordem, que já não faz sentido para a história da arte atual.
    • Por outro lado, a Europa também não é um modelo monolítico, que teria influenciado todos os artistas. Embora Paris fosse, no período a ser tratado, considerada a capital das cultura e da arte moderna, e da experiência de modernidade, há outras experiências de modernidade a serem consideradas e que contribuem para a noção de arte moderna do ambiente parisiense.

     

    * * *

    Na galeria

    A primeira questão importante é pensar no binômio figuração/abstração.

    Quando falamos em arte, fala-se em uma obra que remeta de alguma forma ao mundo real.

    Realismo, naturalismo, “forma natural” são conceitos que orientaram os artistas por quatro séculos e vieram a ser questionados pelos artistas modernistas. Têm pouco a ver com a ideia de realidade: a realidade no mundo da arte é sempre mediada por um suporte que não é o próprio objeto.

    Na coleção, temos alguns híbridos de figuração e abstração.

    Antônio Gomide, “Santa Ceia”, afresco, 1933/34

    • Formado em Genebra, figura importante na propagação do estilo moderno nas residências. Contribuiu com o arquiteto Gregori Warchavchic com a decoração de casas nos anos 30.
    • A Santa Ceia não é uma obra anacrônica. Em um certo momento, os artistas modernistas se interessam por voltar a fazer uma arte figurativa, narrativa, com técnicas tradicionais.
    • O tema faz parte da iconografia religiosa, narrativa recorrente na história da pintura. A representação mais famosa da Santa Ceia é a pintura de Leonardo da Vinci.
    • Ele dialoga com essa tradição artística, que trabalha com a técnica do afresco.
    • É uma obra clássica, propõe uma narrativa compreensível. Ao utilizar o afresco, reforça que está pautado nessa tradição. A escolha da técnica, do tipo de suporte, como o artista trabalha a cor, são pontos fundamentais para analisar a obra de um artista.
    • Outro ponto é a composição, isto é, como o artista organiza a cena. A arte moderna propôs a ruptura com a tradição da perspectiva, isto é, a reprodução de um ambiente tridimensional no suporte bidimensional.
    • A arte moderna também trouxe a forma sintética. Aqui, o teto é uma grade simples. Tem poucos detalhes de nuances de luz e sombra, os contornos são fortes, delimita as formas quase como formas abstratas. A paleta e cores é reduzida, poucas cores e rebaixadas.
    • O paradoxo será entender o que se considera como arte moderna e por quê.

     

    Giacomo Balla, “Paisagem”, óleo sobre tela, 1906/1907

    • Obra cronologicamente mais antiga do acervo do Museu. Nesta exposição, representa a transição do século XIX para o século XX, o princípio do que se chama de arte moderna.
    • Tem algo de figuração. É uma cena banal, não conta uma história.
    • Do ponto de vista da técnica, deriva da técnica impressionista, mas é de um momento posterior, faz parte de uma das vertentes do chamado neoimpressionismo, isto é, o pontilhismo (para os franceses) ou divisionismo (para os italianos).
    • Cria uma dimensão espacial, um ambiente no qual o observador entra. Mas não usa a perspectiva como Gomide. Cria a espacialidade mais com a cor, com a pincelada, com as marcas da paisagem, do que com o desenho. Escolhe um modo de fazer a composição que é bem inovador.
    • Perspectiva e espaço tridimensional são coisas diferentes. A perspectiva cria uma grade sobre a qual o artista constrói o desenho. Balla cria um espaço tridimensional valendo-se de outros elementos, sobretudo a cor.
    • Usa o cabo do pincel para tracejar a superfície da tela em alguns pontos.
    • Nesse momento, os artistas trazem novos temas. O jardim público era uma novidade, os espaços públicos de lazer nasceram na segunda metade do séc XIX.
    • Entre as rupturas da arte moderna estão as novas técnicas. Artistas como Seurat, por exemplo, estão lidando com as pesquisas contemporâneas sobre o espectro luminoso (divisão da luz em cores). Os impressionistas adotaram a tinta industrial em bisnaga, passaram a combinar diferentes técnicas.
    • Mas algumas técnicas não eram invenções tão novas assim. Giotto, Fra Angélico, pintores venezianos do renascimento, já trabalhavam essa técnica presente na obra de Balla, com certo nível de abstração. Com exceção do cinema, da fotografia e da gravura, na pintura e escultura não há uma evolução da técnica em si. O que muda é o valor dado à técnica: ela não é mais apenas um meio de representar o real, mas se torna protagonista da obra.
    • Esse quadro é uma resposta da Itália ao neoimpressionismo francês.
    • No ambiente em que Balla está, ele tenta romper com a ideia de arte institucionalizada. Não é considerada uma pintura acabada, essa é uma das críticas que eram feitas ao impressionismo. E também pelos motivos: eles querem representar outros temas, não as grandes narrativas históricas, mas sim a vida cotidiana das pessoas.
    • Balla tenta dialogar não com a Itália mas com Paris.
    • É um momento de abertura do ambiente italiano para essas novas tendências. Com a bienal de Veneza, que abre a possibilidade de apresentação daquilo que os outros países estão fazendo naquele momento. A ideia de que tudo gira em torno de Paris tem que ser revista.
    • A circulação dos artistas ganha outra dimensão.


  • AULA II – 08/08: Arte Moderna no Brasil

    Hoje começaremos a entender:

    • as definições do que é arte moderna, modernismo, ser moderno, e o conceito de vanguarda;
    • quais artistas e em que momento determinou-se o conceito de arte moderna que circulou como modelo e como podemos falar em arte moderna brasileira.

     

    “Impressão, nascer do sol”, Claude Monet, 1872

    • Por que começar com uma pintura impressionista?
      A historiografia da arte moderna, consolidada nos anos 1950, aponta Monet (1840-1926) e os impressionistas como inauguradores de uma atitude questionadora e certo modo de trabalhar que serão fundamentais para abrir as portas do que se chama hoje de arte moderna, e que levarão às experiências das vanguardas do início do século XX.
    • A historiografia anterior estabelecia que Cézanne (1839-1906) teria feito esse papel, que hoje se atribui aos impressionistas.
    • Monet ao longo de sua vida faz um repertório das vistas da costa norte da Normandia; acabara de chegar da Inglaterra, onde havia visto Joseph Mallord William Turner (1775-1851), então a pincelada deriva muito do pintor inglês. O quadro de Monet traz algumas novidades: (1) a pincelada mais solta; (2) o modo de trabalhar luz e sombra (antes dos impressionistas, as sombras eram trabalhadas com a tinta preta, usava-se cores secundárias; os impressionistas começam a trabalhar com o espectro primário de cores e usam essas cores para compor as sombras); (3) o modo de aplicar as cores: cores primárias eram aplicadas sobre o quadro e as outras cores derivavam da combinação entre elas diretamente na tela.
    • E ainda uma 4a novidade, relativa ao tema. Paris foi remodelada nos anos 1860-70 para se transformar no que chamamos de “a capital do século XIX”. Há um texto de Walter Benjamin que fala de elementos que começam a marcar a paisagem de Paris, das reformas promovidas pelo prefeito nos anos 1860: destroem as ruelas da cidade medieval e criam as grandes avenidas chamadas boulevards; as estações de trem que são construídas no limite do antigo muro da cidade e a ligam a todo o território nacional; os símbolos imperiais são ressignificados, por exemplo, o Arco do Triunfo, que celebrava as vitórias de Napoleão, e a Torre Eiffel, construída como monumento provisório para a Exposição Universal de 1889 e que deveria ser destruída após o fim, mas como era uma construção extraordinária (e que proporcionava uma vista do alto, inédita até então) acabou sendo mantida e tornou-se símbolo de Paris.
    • Os impressionistas, portanto, surgem nesse contexto e passam a representar paisagens dessa nova metrópole em construção.
    • Uma grande invenção do séc. XIX foi a tinta a óleo em bisnaga. Antes, a tinta devia ser produzida e havia um procedimento para isso: macerar os pigmentos, misturar com soluções como óleo de linhaça, fixadores; isso fazia parte das habilidades que o artista tinha que aprender na Academia. Grandes artistas confiavam a seus aprendizes mais capazes essa tarefa. Com a pintura em bisnaga, os artistas puderam levar as tintas prontas para pintar ao ar livre.
    • Mas, ao contrário do que se difundiu, a pintura ao ar livre não é uma invenção impressionista. Desde o início do séc. XIX, artistas ingleses e franceses já faziam isso, era uma tradição de pintura de paisagem do campo. Na França, os artistas da Escola da Barbizon (Corot, Rousseau) iam a esse pequeno vilarejo perto da floresta de Fontainebleau buscando temas pitorescos. É dessa tradição que os impressionistas herdaram essa prática.
    • E mesmo entre os impressionistas, eles trabalhavam a paisagem de forma muito diferente. A paisagem de Monet é diferente da de Édouard Manet (1832 - 1883), que é diferente da de Edgar Degas (1834 – 1917) – que não é reconhecidamente um paisagista, e sim um pintor de cenas do balé, da corrida de cavalo, do ambiente da prostituição, por exemplo. Portanto, a pintura de paisagens ao ar livre não é uma premissa impressionista.
    • Com a pintura ao ar livre, também mudam os tamanhos das telas. No ensino acadêmico, havia por exemplo a pintura de história, tradicionalmente de grandes dimensões. A prática de pintura ao ar livre requeria o uso de telas menores, transportáveis.
    • Essas novas técnicas têm a ver, necessariamente, com novos temas. “Impressão, nascer do sol” é uma paisagem industrial, não é bucólica ou pitoresca, não dá a dimensão do tempo estendido, como a pintura de paisagem anterior a ela, e sim dá mais a ideia de contraposição de tempos (o barco do pescador vs. as chaminés de fábricas e estruturas de ferro do porto ao fundo).

    [Filme “Os de casa”, reúne pequenas filmagens de grandes homens da primeira metade do séc. XX ainda vivos. Um deles é Monet, pintando no final de sua vida, quando ele se dedica a grandes painéis de pintura, pinta perto do lago das ninfeias em sua casa. Há alguns testemunhos de que ele colocava várias telas diante do mesmo motivo. Nos painéis do Musée de l'Orangerie ele mostra uma grande destreza, que desenvolveu durante sua vida, que dá o efeito de espontaneidade e frescor, mas que na realidade ele não terminava essas pinturas ao ar livre e sim no ateliê, ele retoca muito suas telas, o que acaba sendo uma retórica.]

    • A noção de realismo, de “verdade”, vai mudando no decorrer do tempo. A perspectiva linear pretendia imitar a realidade. Para os impressionistas, ainda se trata de uma certa noção de realidade: eles reivindicam o fato de estarem pintando o que estão vendo.
    • Assim, a vida cotidiana passa a ser mais importante do que a representação de grandes temas – históricos, mitológicos etc. Outros valores estão sendo colocados em prática na sociedade: como se comportar, como se vestir, e a pintura serve como testemunha dessas transformações.
    • Outro ponto a ressaltar é que essa pintura, nesse momento, não é agradável aos olhos. O termo “impressionista”, no início, é usado como pejorativo. O termo já existia desde o início do séc. XIX para referir-se ao primeiro esboço criado, que o artista usava como estudo para fazer a tela bem acabada depois. Essa pintura é vista como um quadro inacabado, isso é malvisto pela crítica mais conservadora.
    • O tema também é alvo de críticas: Monet representa uma cena que não tem narrativa.
      
    Período em questão: 1860 a 1950, aproximadamente 

    Envolve, cronologicamente, pelo menos 4 grandes momentos: 

    • 1860 a 1890: De modo geral, a historiografia coloca que o que veio a se consolidar com a arte moderna teve início por volta dos anos 1860, com o questionamento das instituições artísticas e reformulação da linguagem da pintura ainda dentro da noção de representação.
    • 1890 a 1920: Esse período é considerado o paradigma através do qual se definem o que é e o que não é arte moderna: surgem as chamadas Vanguardas Históricas (período da pesquisa mais radicalizada da linguagem plástica da arte, e da transformação da arte para a transformação da vida, em alguns casos) e o advento do Primitivismo.
    • 1920 a 1945/50: O chamado Entreguerras, marcado pelo que se chamou, nos círculos artísticos, de período do “Retorno à ordem”, no qual os artistas, mesmo aqueles ligados às vanguardas, voltaram a produzir uma pintura mais figurativa, alegórica etc. Terá grande importância no Brasil.
    • Pós 1945: Sobretudo no anos 1950 se deu a consolidação das experiências da abstração em pintura, como a linguagem modernista por excelência. Embora exista desde o início do séc. XX, a sua institucionalização só se dá nos aos 1950.
    • Nesse período há também a entrada da arte moderna nos museus de forma ampla e irrestrita, após a criação de museus específicos de arte moderna nas décadas anteriores. A circulação da arte moderna não é algo que acontece de imediato.
    • No início (anos 1860), os impressionistas tentam mandar suas obras para o Salão de Paris, o salão oficial onde os artistas acadêmicos expunham suas obras. Pelos motivos que comentamos, os quadros não são aceitos. Nesse embate criam, em 1863, um ambiente alternativo de exposição, o Salão dos Recusados, onde os artistas que não seguiam as regras acadêmicas podiam expor. Esse Salão que acaba tendo grande repercussão.
     
    Expansão neocolonial: “Era dos impérios” (Hobsbawn)
    • Durante muito tempo, a arte moderna foi vista do ponto de vista formalista, isto é, analisando os elementos específicos da sua produção (o uso da superfície plana da tela, o uso de materiais industriais na escultura, o início do uso de outros materiais na colagem, a invenção da fotografia, etc.). Até os anos 1970/1980, quando se falava em arte moderna, falava-se apenas dessas questões, sem considerar sua relação com a sociedade, das suas proposições que fossem capazes de transformar a vida.
    • É o momento do neocolonialismo. Países como Inglaterra, França, estão explorando e destruindo suas colônias, sobretudo na Ásia e na África, e com isso começam a ter acesso à cultura material de outros povos. Hobsbawn chama de “Era dos impérios”, da afirmação dos estados-nação, que vão se beneficiar do seu domínio sobre outros territórios.
    • As exposições universais, iniciadas com a primeira em 1851, criaram um novo modelo de exposição. Os pavilhões dos países mostravam o que se produzia nas colônias, inclusive suas culturas. É nesse momento que surgem os “zoológicos humanos”, nos quais grupos ou indivíduos de uma colônia eram expostos como criaturas exóticas, ou encenavam rituais de suas tribos, em representações artificiais.
    • Essa experiência vivida nas Exposições Universais reforçava a imagem da Europa como mundo civilizado, avançado tecnologicamente. A ideia de progresso nasce desse confronto com o que era entendido e exposto como primitivo.
    • O séc. XIX é, ainda, o momento das novas descobertas científicas, das teorias evolucionistas. As teorias cientificistas dos “tipos” humanos que originaram as teorias de eugenia muito difundidas nos anos 20/30 do século XX. A sociologia usa esse mesmo campo para trabalhar os conflitos sociais, a degeneração sociais.
      
    Grandes conflitos mundiais (1914-18 e 1939-45) e Revolução Russa (1917): “Era dos extremos” ou “Era das catástrofes”
    • São periodizações elaboradas por Hobsbawn, o panorama de como ele vê as transformações da sociedade europeia desde a revolução francesa até a queda do muro de Berlim.
    • Revolução Russa: a mão-de-obra camponesa se envolve com as ideias dos intelectuais comunistas sobre as questões sociais.
    • Os artistas se verão engajados nessas questões, direta ou indiretamente; eles acabam sofrendo as consequências desse processo – a Itália fascista, por exemplo, embora não fosse tão opressora com a arte moderna como o nazismo, fez uso do trabalho de certos artistas para promover a Itália como um país moderno, enquanto outros artistas contribuem para a criação dessa imagem da nação fascista.
     
    Popularização e disseminação das formas modernistas
    • Relação que existe entre a Arte e os meios de comunicação de massa: por via da arquitetura, das artes aplicadas, do cinema, da música. Di Cavalcanti, por exemplo, era ilustrador de jornais nos anos 1920, se forma em Paris aonde tinha sido enviado como jornalista correspondente. Toulouse-Lautrec criava os cartazes para os cabarés nos anos 1890.
     
    Termo “Moderno”
    • Raymond Williams, trabalha com cultura material na Inglaterra, teoriza sobre os termos “Moderno” e “Modernismo” (1989).
    • Usado, pela primeira vez, no final do século XVI como um equivalente de “agora”.
    • No início do século XVII, em Roma, o termo reaparece no contexto da querela dos Antigos vs. os Modernos.
    • No século XVIII, aparece como um equivalente de atualização e aperfeiçoamento.
    • John Ruskin, 1846: o termo aparece em Modern Painters para designar uma atualização artística, mas que fosse fiel à natureza (Realismo). Usa a pintura de Joseph Turner como modelo para definir o que é ser moderno. Considerar também um contemporâneo do autor inglês: Baudelaire, 1863, em O pintor da vida moderna, trata de temas que são os temas do seu próprio tempo e problematiza o conceito do belo. Considera a pintura de Constantin Guys.

      Rapidamente o “moderno” passa a significar o presente/contemporâneo
     

    O belo é feito de um elemento eterno, invariável, cuja quantidade é extremamente difícil de determinar, e de um elemento relativo, circunstancial, que será, se assim quisermos, em cada caso um todas juntas, a moda, a moral, a paixão.

                            [Charles Baudelaire, “O pintor da vida moderna”, I, 1863]

     
    Modernidade, moderno, modernismo

    • Williams faz uma diferença grande entre o “moderno” – no sentido mais amplo, dos valores da sociedade etc. – e o que chamamos de “modernismo” – clara institucionalização dessas práticas que tinham se estabelecido no início do séc. XX. Em arte, falamos de “modernismo” do início séc. XX até o início dos anos 1950. A partir de então, fala-se em arte contemporânea.
    • Modernidade – experiência que emerge das transformações sociais, políticas e econômicas, nos centros urbanos do século XIX, sobretudo nos ambientes francês e britânico.
    • Pintura da vida moderna – Baudelaire: necessidade da renovação da linguagem artística para falar dos temas da vida moderna – o que é diferente da “pintura moderna”.
    • Modernismo como arte da “vanguarda” – em oposição ao “kitsch” (cultura de massa): a partir dos textos de Clement Greenberg no anos 1950, a arte é um lugar de reflexão sobre o mundo, se distingue do que Greenberg fala sobre o kitsch, produção ligada aos meios de comunicação de massa. Embora os artistas estivessem envolvidos com eles, era considerada arte somente aquilo que circulava nas galerias e museus.
    • Modernismo como tradição crítica – afirmação do campo autônomo da arte (Greenberg e Fried)
    • Modernismo como lugar da diferença – que leva à investigação do outro, falar de outro lugar, renovar as tradições, etc. artistas que se alinham com outros movimentos e tendências e passam a se colocar no lugar de um outro – a mulher, o paciente psiquiátrico, os povos de culturas distantes – para renovar o modo de conceber o mundo. Tentar trazer para o mesmo plano de interlocução aquele outro que era entendido por outra chave.
     
    Obras apresentadas nesta aula:
    • “Impressão, nascer do sol”, Claude Monet (1872), óleo sobre tela, Musée Marmottan Monet, Paris.
    • “Chuva, vapor e velocidade”, Joseph Mallord William Turner (1844), óleo sobre tela, National Gallery of Art, Londres.
    • “Na rua”, Constantin Guys, s.d. (1860 ca.?), óleo sobre tela, Musée d'Orsay, Paris.
     

    Bibliografia da aula:
    FER, Briony. "Introdução". In: FRASCINA, Francis, BLAKE, Nigel, FER, Briony. Modernidade e modernismo: a pintura francesa no século XIX. Tradução Tomás Rosa Bueno. São Paulo: Cosac & Naify, 1998.

    HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.


  • AULA III – 15/08: A institucionalização da Arte Moderna

    [Foto Ciccillo Matarazzo e Juscelino Kubitschek na frente da Guernica de Picasso]

    • Essa imagem é emblemática do processo de institucionalização da arte moderna que ocorreu nos anos 1950. Essa foto é de 1953, ano da 2a Bienal de São Paulo, a maior Bienal paulista em número de artistas e obras. Abria as comemorações do IV Centenário de São Paulo (1954). 
    • A presença mais comentada foi a Guernica em uma sala dedicada a Picasso. Ele tinha feito esse mural para a Exposição Universal de Paris de 1937. A obra representa o ataque aéreo com apoio das forças alemãs autorizado pelo ditador Francisco Franco  sobre o vilarejo de Guernica, e ganha o significado de resistência contra qualquer ideia de totalitarismo, com o fim da II Guerra Mundial. 
    • Era uma obra meio nômade, já tinha passado por várias cidades no mundo. Tinha sido levada embora por causa da ditadura franquista na Espanha, para onde volta somente em 1978, após a queda de Franco. 
    • A presença dessa obra aqui em 1953 é fundamental. É um momento em que o Brasil estava entrando para as Nações Unidas, começa a participar do Comitê Internacional de Museus (ICOM, um braço da ONU). 
    • Na foto, os personagens também são fundamentais; ela atesta o processo de incorporação da arte moderna como símbolo de modernização da sociedade brasileira, ou seja, essa foto mostra que o Brasil é um país moderno.
    • A Bienal de SP mantinha uma relação constante com o Ministério de Relações Exteriores. O evento sempre foi aberto pelo presidente da república, o que é significativo para entender a importância da instituição para essa política de Estado que queria colocar o Brasil no rol dos países modernos.
    • Picasso, quando pinta a Guernica, ainda não era entendido como é hoje. Ele passa a ser um artista “universal”, representativo da arte moderna, após a II Guerra Mundial, quando em Paris se iniciam os debates sobre a criação de um museu nacional de arte moderna, logo depois da grande exposição de arte moderna com obras de Picasso, comemorativa da liberação de Paris.


    “O concerto campestre”, Giorgione, 1510 ca., óleo sobre tela, Museu do Louvre, Paris

    “O almoço na relva”, Édouard Manet, 1862-63, óleo sobre tela, Musée d'Orsay, Paris

    • Este quadro de Manet foi apresentado no primeiro Salão dos Recusados em 1863 (quando, após a recusa de dois terços das obras no Salão oficial, foi feito um abaixo-assinado para o ministro das Artes pedindo uma exposição alternativa – comentado na aula II).
    • Manet é o artista tomado como canônico quando se fala de pintura da vida moderna. Embora não produzisse uma arte acadêmica, era formado dentro das premissas acadêmicas, entre elas o hábito de visitar e copiar as obras do Louvre.
    • Uma das referências de Manet para essa obra é justamente “O Concerto Campestre” de Giorgione. 
    • O modo de pintar mais “esboçado” não é aceito dentro da tradição acadêmica, assim como a pincelada aparente, a simulação de luz natural ao fundo (a pintura ainda era finalizada no ateliê), a forma de representar o espaço tridimensional. Giorgione, embora não use a perspectiva linear, respeita a relação de proporção do espaço tridimensional, da qual Manet parece abrir mão. Ela rompe com as relações de tamanho e proporção dadas pela perspectiva linear. É uma nova linguagem.
    • Além disso, o tema do quadro não é histórico/mitológico/literário, como Giorgione em princípio (as suas figuras femininas são ninfas). Manet representa mulheres de carne e osso; o nu da figura à esquerda é diferente do nu das ninfas de Giorgione, essa mulher tirou a roupa de fato, está nua entre dois homens, e esse fato causa certo escândalo para quem a viu.
    • Esse gesto de Manet é entendido como um prenúncio de uma atitude de vanguarda.


    T. J. Clark

    (…) Alguma coisa decisiva aconteceu na história da arte mais ou menos à época de Manet que determinou outro curso para a pintura e outras artes. Talvez esta transformação possa ser descrita como um tipo de ceticismo, ou pelo menos incerteza, sobre a natureza da representação na arte.

    (…) Em geral, os termos do modernismo não podem ser concebidos separadamente de alguns projetos específicos – tentativas específicas de significado – através dos quais são definidos. Um exemplo deste clichê seria a notória história do modernismo preocupada com a 'bidimensionalidade' [flatness]. 

    T. J. Clark


    • A ideia do quadro como janela, através da qual vemos algo que está fora do mundo concreto, tinha sido construída nos séculos anteriores. Manet rompe com essa tradição: afirma a superfície da tela, o quadro começa a ser reconhecido como objeto em si, introduzindo a ideia de autonomia da arte, de concretude do objeto artístico.
    • “bidimensionalidade” (equivalente a “flatness”): T. J. Clark faz uma análise crítica da crítica modernista que passou a ver a arte somente do ponto de vista formal.

    Bidimensionalidade / “Flatness”
    • Para Clark, entre 1860 e 1918 a habilidade da vanguarda foi muito rica em atribuir valores complexos e compatíveis à bidimensionalidade/“FLATNESS”, que passam a ser questões para os artistas:
      • Análogo a “popular”; ideia de que a pintura é um trabalho manual honesto; carrega os gestos do artista.
      • Modernidade; remete à bidimensionalidade presente em outros materiais: duas dimensões de pôsteres, etiquetas, gravuras de moda, fotografias.
      • Uma não-ruptura da superfície (Cézanne): com as transformações do séc. XIX, de certa forma tornou-se possível conhecer o mundo inteiro, mas de forma homogeneizante (como nas Exposições Universais), uma espécie de uniformidade ao olhar a si mesmo; forma de nosso conhecimento das coisas.

    • Assim, para Clark, não é que inventou-se uma técnica de pintura diferente; é que ela ganha outro significado para esses artistas.

    “La Grenouillère”, Claude Monet, 1869, óleo/tela, The Metropolitan Museum, Nova York
    “Os banhos de La Grenouillère”, Pierre-Auguste Renoir, 1869, óleo/tela, Nationalmuseum, Estocolmo

    • Ambas representam esse espaço de lazer, a Grenouillère, aonde as pessoas iam para almoçar, fazer passeios de barco no Sena.
    • É um momento de incerteza. A tentativa de Monet, por exemplo, é fazer uma representação em grande dimensão desse cenário. Monet e Renoir pintam lado a lado, para tentar dar o frescor dos efeitos atmosféricos e luminosos. É um tema moderno, mas Monet tenta fazê-lo numa pintura de grandes dimensões (pois nesse momento ainda querem ser aceitos pelas instituições artísticas), como uma espécie de registro histórico.
    • Em dado momento, Monet desiste de realizar esse grande panorama, em várias tomadas. Na exposição dos Impressionistas de 1874, apresenta o conjunto das vistas de la Grenouillère  como pinturas acabadas. Segundo T.J. Clark, é uma nova atribuição de valor à técnica de pintura: a tela “não acabada” passa a ser uma pintura acabada. 

    O que está envolvido na noção de “Vanguarda” (Peter Bürger)
    Na primeira metade do séc. XX, vemos surgir novas formas que se apresentam como renovação da arte e em alguns casos também da vida cotidiana.
    • Em francês “avant-garde” = vanguarda, é o termo militar para a porção do exército que vai à frente na batalha. Esse termo tem, em primeiro lugar, um significado de estratégia militar ⇒ tomada de posição política. São artistas que vão além do que os impressionistas já tinham feito, usam novas linguagens plásticas. Para os artistas, é mais do que uma posição artística, é uma posição politica. Questiona-se o que é a arte e o que deve ser, qual seu papel na sociedade, etc.
    • Interação Arte e Vida: em certos casos, acreditam que essa nova forma de arte é capaz de mudar o indivíduo e a sociedade. É o caso dos construtivistas russos (após a revolução de 1917), dos futuristas (pretendiam transformar a sociedade italiana através dos seus novos preceitos).
    • Rompimento com os modos tradicionais de linguagem artística e resgate dos modos “primitivos” ⇒ Primitivismo
    • Autonomia do campo da arte: essa afirmação do campo de autonomia da arte começa com eles. A arte tem tanto valor quanto a ciência e a tecnologia. Escrevem textos em que defendem esses preceitos – os manifestos.
    • Técnica da originalidade: se a invenção era importante para a tradição acadêmica, de inovar a partir de uma genealogia de artistas, para os vanguardistas trata-se de rejeitar toda a tradição artística e criar algo inteiramente novo.

    Peter Bürguer, a partir dos anos 1970, revê o termo “vanguarda”, em que ele tenta redefinir quais são os valores importantes dessas vanguardas e o que as caracteriza. 
    • Ele parte dos dadaístas, que na I Guerra Mundial criam um circuito internacional e têm uma tomada de posição política que é de ruptura de todas as tradições artísticas: afirmam que a arte se dá num campo expandido, com o circo, o teatro, a dança. No caso da pintura, uma experiência importante é o uso da colagem como princípio de criação artística, colocando em xeque os fundamentos da prática tradicional de pintura. 
    • Eles propõem pela primeira vez o questionamento sobre o que é arte e criam novas formas de exposição desses trabalhos – que não são obras, muitas vezes são objetos deslocados do seu contexto, como no caso de Marcel Duchamp, talvez o artista mais associado ao dadaísmo.
    • Bürger teoriza sobre a vanguarda olhando para esses artistas, num momento em que novas práticas artísticas estão acontecendo (anos 1960), e em que para os jovens artistas, a vanguarda dadaísta era fundamental. 
    • Ele não enxerga isso nos futuristas, que na I Guerra Mundial se engajam nos movimentos pró-guerra e com a ascensão do fascismo se aliam a ele. Marinetti, principal porta-voz do movimento futurista, morre em 1944 como fascista declarado. Boccioni é resgatado nos anos 1950 como artista de vanguarda, como grande artista futurista, pois não se “contaminara” com o fascismo, já que morre em 1916.

    “As moças de Avignon”, Pablo Picasso, 1906-07, óleo sobre tela, MoMA, Nova York

    • Em 1906, ocorre uma grande retrospectiva de Cézanne o Salão do Outono (espaço independente de exposições de arte); foi primeira divulgação em grande escala do seu trabalho, depois de muito tempo afastado do universo da arte; foi de grande impacto no meio artístico e com Picasso não foi diferente.
    • Além disso, Picasso experimenta uma nova linguagem visual que empresta das máscaras africanas que chegam à Europa com a formação das novas coleções etnográficas. 
    • Essa obra tornou-se emblemática da arte moderna por causa da política da hegemonia cultural americana. Tinha sido comprada pelo Museu de Arte Moderna de Nova York. Torna-se o grande modelo para falar do nascimento do Cubismo e da ruptura com a linguagem plástica tradicional da arte.
    • O procedimento de atualização é muito parecido com o de Manet, mas instaura outra tradição: há elementos das Grandes Banhistas de Cézanne ("As Grandes Banhistas", 1894-1905, Philadelphia Museum of Art, Filadélfia); observa também um mestre importante da Academia, Jean-Auguste-Dominique Ingres, a obra "O banho turco” (1862, óleo sobre tela, Musée du Louvre, Paris) será objeto de exposições comemorativas, fascinara Picasso desde sua chegada a Paris, nas figuras que são um desenho contínuo que muitas vezes não respeita a anatomia “real”, ele se preocupa mais com a linha do que com a anatomia. Isso chamou a atenção de Picasso, que se vê lidando não com a arte do Louvre  mas dessa nova tradição que viera das experiências do séc. XIX, de um lado, e da estética primitiva das máscaras africanas, de outro. 
    • Por outro lado, o nu feminino é um assunto comum na tradição pintura francesa do séc. XIX, mas que ele atualiza com essa nova linguagem plástica, e com isso ele instaura uma nova tradição.

    As especificidades do caso brasileiro

    Três autores que teorizam sobre a arte moderna brasileira: 

    • Ronaldo Brito (“Neoconcretismo: Vértice e Ruptura do Projeto Construtivo Brasileiro”, 1985) considera a vanguarda construtiva (anos 1950) como momento deflagrador de uma prática e de uma teoria artística realmente modernas. → outro traço distintivo da nossa vanguarda: busca da identidade nacional
    O que vem se discutindo é que, diante das várias experiências na Europa e no mundo, não podemos considerar que esse processo tenha sido igual em todo o mundo. 

    Annateresa Fabris e Tadeu Chiarelli, nos anos 90, começam a rever a historiografia brasileira. 

    • Annateresa Fabris (“Modernidade e Vanguarda: O Caso Brasileiro”, 1993) contesta as teses de Ronaldo Brito e identifica, em primeiro lugar, um elemento que marca a nossa modernidade já no final do século XIX e início do século XX: o contexto urbano e industrial de São Paulo, onde se forma a crítica modernista. Vê, também, uma atitude vanguardista na crítica paulista em torno da Semana de 22, ainda que a linguagem plástica não seja modernista. A partir dos textos de Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade, ela já vê uma estratégia de vanguarda.
    • Para Tadeu Chiarelli (“Entre Almeida Jr. e Picasso”, 1993), o discurso moderno, no Brasil, pode ser percebido desde a década de 1880, na crítica de arte em torno da Exposição Geral de Belas Artes, em que se busca, pela primeira vez, constituir uma linguagem plástica da arte a partir de elementos locais. O que o modernismo paulista teria feito a partir das primeiras décadas do século XX é atualizar esse discurso, abandonando os preceitos realistas.
      • Tadeu Chiarelli analisa a crítica do Monteiro Lobato – que teve um papel protagonista nas duas primeiras décadas do séc. XX que foi além da literatura brasileira (criou uma importante revista de crítica literária, por ex.). Sobre a exposição de Anita Malfatti de 1917, Lobato faz uma crítica severa à sua pintura. Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade (sobretudo este último) se unem em defesa de Anita em um movimento que vai culminar na semana de 1922.
      • Estudando Monteiro Lobato, Chiarelli percebe que há elementos de uma experiência de modernidade e de pintura da vida moderna já desde os anos 1880, equivalente àquela que existia em Paris nos mesmos anos, ainda que com características locais. Há uma troca contemporânea de informações. 

    O que vemos: não dá para falar em atraso e descompasso no Brasil em relação aos grandes centros artísticos.

    • Por outro lado, houve uma espécie de colonialismo interno: a historiografia sempre colocou São Paulo e Rio de Janeiro como os únicos centros de produção artística, enquanto hoje sabemos que outros artistas fora desse eixo também foram importantes para a produção de arte moderna no Brasil, como Cícero Dias e Vicente do Rego Monteiro. Esta é uma questão ainda pouco explorada. 

    “Caipira picando fumo”, José Ferraz de Almeida Junior, 1893, óleo sobre tela, Pinacoteca do Estado de São Paulo
    • Para Mario de Andrade, Almeida Júnior será o pontapé inicial para criar uma arte nacional e uma arte moderna no Brasil. 


    “Tropical”, Anita Malfatti, 1918, óleo sobre tela
    “Bananal”, Lasar Segall, 1927, óleo sobre tela, ambos na Pinacoteca do Estado de São Paulo
     
    • Chiarelli analisa a “Tropical” de Anita Malfatti: ela usa elementos de uma pintura alegórica, em busca de uma arte brasileira. Bem diferente de uma linguagem próxima a do expressionismo das primeiras obras que expusera em 1917.
    • Lasar Segall é um imigrante que se estabelece no Brasil.
    • Ambos se aproximam de uma linguagem modernista da pintura, Anita mais atrelada ao caráter realista, e Segall com uma linguagem mais sintética.
    • É importante assinalar que esses artistas assimilam os debates artísticos europeus contemporaneamente, experimentam um pouco de cada movimento artístico, não se associam a nenhum especificamente. Usam dessas experiências para lançar uma linguagem moderna para a pintura. 

    “O homem amarelo”, Anita Malfatti, 1915-16, óleo sobre tela, IEB USP– Coleção Mário de Andrade
    • Mário de Andrade compra essa obra depois da exposição de 1917 e da crítica negativa de Monteiro Lobato, o que acende a rixa entre este e os novos críticos (Mário de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade).
    • Fabris vê nessa defesa da pintura uma atitude modernista: semelhança com outros pintores modernistas desse período, a distingue como a pintora modernista do Brasil.

    “Retrato de Mário de Andrade”, Zina Aita, 1923, nanquim sobre papel, IEB USP
    • Este desenho a nanquim funciona como um manifesto. O retratado é o crítico que sai em defesa desses grupos e teoriza sobre os problemas da arte moderna. Esta é uma prática comum em todos os centros artísticos: a do crítico que faz a defesa da pintura moderna.
    • Ela o representa com símbolos da cidade de São Paulo: o Vale do Anhangabaú, o Teatro Municipal (palco da Semana de 22), a torre do relógio da estação da Luz, o viaduto Santa Ifigênia, as lameiras da Praça Ramos. No lugar do relógio há um olho: representa a visão do futuro.
    • No desenho, faz a oposição entre áreas opacas e brancas, como se fosse uma litografia.
    • Mário de Andrade encomendava inúmeros retratos seus aos artistas: seus retratos registram a evolução da arte moderna no Brasil. 
    • Ele foi uma figura importante em várias frentes do universo cultural e artístico brasileiro.

    Institucionalização da arte moderna
    • É através da formação de coleções privadas, da exposição da arte moderna em novos espaços, da criação dos museus específicos de arte moderna (sobretudo a partir do final dos anos 1940), que a arte moderna é institucionalizada. O mercado de arte depende de todo esse sistema.
    • Surge a necessidade da especificidade do museu de arte: não mais um museu de arte universal, como o Louvre, ou a National Gallery de Londres, que abrigam obras de arte desde a Antiguidade até o século XIX (como o MASP também pretendia ser), mas um museu que expusesse apenas arte moderna, isto é, a arte que vinha sendo feita desde o início do século XX. Ou seja, há um recorte temporal. 
    • A arte moderna também está ligada à formação da identidade dos Estados-nação e às políticas públicas. Em 1890, a pintura de Manet foi a leilão e corria o risco de ser comprada por um estrangeiro; houve uma mobilização do meio artístico para arrecadar o dinheiro e comprá-la e doá-la ao Louvre. Entendia-se que a pintura de Manet era fundamental para o entendimento das artes na França.
    • 1893-95, criação da Bienal de Veneza: no contexto das Exposições Universais, em que se expunha um pouco de tudo, surgiu a necessidade de uma exposição que apresentasse apenas arte. No início é uma exposição nacional, com o objetivo de apresentar o que havia de mais contemporâneo na produção artística na Itália. Depois, torna-se internacional.
      • As Bienais de Veneza e de São Paulo (1951) surgem como eventos bienais, que apresentam a produção mais recente das artes visuais, com o objetivo de formar uma coleção nacional de arte moderna, através dos prêmios de aquisição.
    • 1896: Caillebotte, colecionador e pintor amadaro que doa sua coleção de pintura impressionista ao Musee du Luxembourg em Paris (criado por volta de 1820 como “Museu dos artistas vivos”).
    • Em 1922 ocorre a primeira exposição dessa coleção de arte impressionista.
    • 1929: o MoMA é fundado em Nova York por Abby Rockefeller, Lillie Bliss e Mary Sullivan, mulheres da alta sociedade nova-iorquina, esposas de grandes empresários e que há algum tempo colecionavam arte moderna. É o primeiro museu criado para ser um museu exclusivamente de arte moderna. Inicialmente não tinha coleção. Chamam Alfred Barr para ser o curador; ele considerava o museu como uma instituição que fosse ao mesmo tempo galeria de exposição e espaço de pesquisa, formação e divulgação da arte moderna, sem o compromisso de compor um acervo. Para Barr, é um museu que deve ser constantemente atualizado.
    • Em 1935 inicia-se um processo de “desaquisição” das obras das coleções de arte moderna na Alemanha, o que era refutado pelo nazismo como arte. Ocorre o confisco de coleções, muitas obras são destruídas e outras são guardadas e expostas na Mostra de Arte Degenerada, em 1937. Artistas judeus são condenados a campos de concentração, muitos fogem para o exterior, sobretudo os EUA. Havia uma estratégia por trás desses confiscos, eles não descartavam qualquer coisa. Em 1938, há um leilão com as obras confiscadas. Essa mostra será uma referência às avessas, no segundo pós-guerra, para que as vanguardas fossem reabilitadas.
    • A partir de 1947 há uma disseminação desse modelo do museu de arte moderna.
    • Entre 47 e 49, no Brasil, vemos a criação do MASP, do MAM-SP e MAM-RJ.
    • O MAM-SP foi o primeiro museu de arte moderna da América do Sul.
    • Nesse momento, São Paulo torna-se um importante centro de circulação de arte moderna, intensificado após a criação da Bienal de São Paulo em 1951.
    • Em 1955 é criada a Documenta de Kassel que, com a Bienal de Veneza e a Bienal de São Paulo, compõem os 3 eventos de arte mais importantes da atualidade. 
      • Kassel recolocou a Alemanha no circuito de arte internacional e nas discussões de arte moderna e contemporânea após a II Guerra Mundial. Kassel era o local da 9a divisão da tropa de elite do exército nazista. Ficou devastada. 
      • A partir dos anos 1960, estabelece-se que será um evento periódico e acontecerá a cada 5 anos.
      • Diferentemente das Bienais (Veneza e São Paulo), Kassel nunca foi pensada em pavilhões nacionais.

    Bibliografia da aula:

    ARGAN, Giulio Carlo. "Édouard Manet, Le déjeuner sur l'herbe" In: Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 94.

    BÜRGER, Peter. Teoria da vanguarda. São Paulo: CosacNaify, 2008.

  • AULA IV – 22/08: Modernismo e Arte Moderna: “Autorretrato” de Amedeo Modigliani e “A boba” de Anita Malfatti

    Na galeria

    “A boba”, Anita Malfatti, 1915-16, óleo sobre tela, 61x50,6cm, MAC USP

    • É uma obra que remete ao gênero do retrato, um gênero de pintura que vem da tradição artística. Mas nessa tradição, a pessoa retratada é acompanhada com a representação de atributos do personagem. Aqui ela não se preocupa com isso. É um retrato pelo formato, pela escala da pintura, mas ela rompe com essa convenção. É muito parecida com ela mesma, o que sugere que poderia ser um autorretrato, embora não o seja  oficialmente.
    • O título é dado a posteriori por ela mesma. A referência são as pesquisas que estavam acontecendo no campo da psiquiatria naquele momento na Alemanha, as imagens criadas por pacientes dos hospitais psiquiátricos começam a ser objeto dessas pesquisas.
    • No Brasil, o dr. Osório César – que veio a ser o segundo marido de Tarsila do Amaral – estava interessado nessas questões e fez pesquisas no Hospital Juquery em Franco da Rocha.
    • O olhar dela é estranho, não parece comunicar algo.
    • Predominam as cores primárias. Há uma diferença grande entre fundo e figura.
    • Ela trabalha a tinta de forma muito diluída.
    • Embora haja um desenho subjacente, ela não determina nenhuma forma geométrica precisa, as linhas são bastante aleatórias.
    • Em 1915/16 ela está nos EUA. Quando volta ao Brasil, ela não apresenta esse quadro na exposição de 1917. Pode ser que ele estivesse, de fato, incompleto e ela quisesse voltar a ele depois, ou que em sendo um autorretrato e ela não quisesse expô-lo por isso.
    • Tem indícios de que ela se aproxima de uma linguagem expressionista, nas formas exageradas, distorcidas, nas cores, no rosto quase caricato, na pincelada.

     

    “Autorretrato”, Amedeo Modigliani, 1919, 100x64,5cm, MAC USP

    • A paleta não é muito diferente da Anita, ele só trata a cor de forma diferente, explora mais algumas cores do que outras, mas a paleta é essencialmente a mesma.
    • É o retrato do pintor no ateliê, uma variação do tradicional gênero retrato. Representa a si mesmo com a paleta de cores na mão, ou seja, um atributo do pintor.
    • Representar-se com a paleta em punho é uma espécie de manifesto. Aqui é o Modigliani pintor, não o indivíduo. Modigliani será o modelo absoluto de “pintor maldito” na Escola de Paris. Tadeu Chiarelli vê isso como a representação de um ato heroico, ao mesmo tempo em que ele faz questão de representar traços do seu estado de saúde frágil (bolsas nos olhos, barba por fazer).
    • A paleta de cores sintetiza as cores usadas no resto do quadro.
    • Comparado com A Boba, aqui as passagens de claro e escuro são mais sutis.
    • O olho: Modigliani evolui para essa forma muito sintética dos olhos, uma forma/cor chapada. Indica que a referência dele pode ser outra coisa que não a realidade.

      

    Na sala de aula

    “Autorretrato”, Amedeo Modigliani, 1919, 100x64,5cm, MAC USP e foto do pintor no ateliê

    • Até a publicação de Giovanni Scheiwiller sobre Modigliani no fim dos anos 1920 (o primeiro volume escrito em língua italiana sobre Modigliani), ele era um pintor que não tinha importância para a Itália.
    • Ele sai da Itália em 1909/1910 e se estabelece em Paris.
    • Sua primeira produção é em escultura, trabalha com Constantin Brancusi em Paris.
    • Morre em 1920, tendo feito apenas uma exposição, em 1917, em que apresenta um conjunto de desenhos de figuras femininas nuas, o que causa escândalo à crítica mais conservadora da época.
    • Vive em Montmartre, naquele momento um bairro operário e boêmio de Paris.
    • O artista tem uma extensa produção em retrato. O MASP tem 4 deles, dos quais um é o retrato do seu galerista. Este autorretrato, o único de sua produção, retoma elementos que ele já usara em outros retratos.

    A cabeça

    • Lendo a obra, vimos que a cabeça tem um aspecto de máscara e uma proporção não “natural” em relação ao corpo. É achatada, quase como se fosse uma superfície. Aqui algumas referências importantes para ele.
    • Os modernistas começam a se interessar pela arte de outros territórios: arte japonesa, arte tribal, etc. Nesse momento, acontecem escavações arqueológicas na Itália, na Grécia, e parte da descoberta é a civilização Etrusca, quando descobrem-se objetos que nunca tinham sido vistos. Os etruscos habitavam a região onde hoje é a Toscana, na Itália, no mesmo período áureo da Antiga Grécia, e são um dos povos que darão origem aos romanos.
      • “Sarcófago dos esposos”, séc. VI a.C., Museo Nazionale Etrusco di Villa Giulia, Roma: a figura do esposo, com sua cabeça alongada.
    • “A musa adormecida I”, Constantin Brancusi, 1909-10, mármore, Hirshhorn Sculpture Garden, Washington: a cabeça em forma de ovo, formas sintéticas.
    • “Cabeça de mulher”, Amedeo Modigliani, 1912, pedra pomes, The Metropolitan Museum of Art: é uma escultura da primeira produção de Modigliani, mostra como ele já produzia formas com aspectos sintéticos.

    É por essas referências que Modigliani chega à sua forma primitivista. Diferente de Picasso, que olha as máscaras africanas, que ele também vê e brinca com todas elas, como pintor moderno.

     

    Como ele recria o gênero do retratos

    Amedeo Modigliani, Retrato de Paul Guillaume, 1916, 81 x 54 cm, Museo del Novecento, Milão

    • Ele está tentando chegar naquela forma, tem alguns elementos que ele retoma no seu Autorretrato: o fundo, o nome da pessoa que compõe o fundo, a escala fora do padrão, os olhos – ele fala numa entrevista que Guillaume vê tudo, como um clarividente.

    Retrato de Jeanne Hébuterne, 1918, 101 x 65,7 cm, Norton Simon Museum, Pasadena, CA

    • Parece ser um par do quadro do MAC: a paleta de cores é a mesma, a dimensão (provavelmente tinham exatamente a mesma medida), a composição.
    • Ele fez muitos retratos dela.
    • Comparação entre os dois: as formas dela são ainda mais alongadas, distorcidas. Ela é retratada como mulher, como objeto de contemplação; de certa forma está se oferecendo ao observador, está na posição frontal, enquanto ele está de lado; tem o colo à mostra, exibindo suas linhas que são mais curvas e contínuas, enquanto ele está bem coberto.
    • O autorretrato de Modigliani foi pouquíssimo visto no exterior. Era do colecionador Ricardo Gualino, depois comprado pelo colecionador Alberto della Ragione. Há uma retrospectiva de Modigliani realizada por artistas amadores em Milão em 1946. Ela é comprada por um intermediário de Ciccillo Matarazzo, como presente de aniversário de Ciccillo para Iolanda. Passa a fazer parte da coleção particular do casal.
    • A obra vem a ser muito requisitada no exterior. É exposta fora do Brasil pela primeira vez em 1949, na exposição “Twentieth Century Italian Art” no MoMA de NY, em que queria-se recolocar a Itália no contexto internacional da arte moderna. A Itália tinha ficado de fora desse contexto após as leis raciais de 1938, adotadas pelo regime fascista.
    • Modigliani é uma figura importante para restabelecer a relação da Itália com o ambiente internacional, já que era um artista italiano ligado à Escola de Paris, à produção de arte moderna. E seu destaque nesse contexto serviria para redimir a sua figura de “pintor maldito” (termo usado por André Salmon num ensaio sobre o artista, de 1924), pois as figuras alongadas e distorcidas, primitivistas, tinham sido taxadas como “degeneradas”.
    • O que em 1938 será considerado “degenerado”, em 1930 tinha sido valorizado, pois ele é visto como um artista italiano, presente na Escola de Paris, que faz referência à sua terra (a arte etrusca). É o artista italiano moderno por excelência. Acentuam-se as características individuais e originais do seu modo de pintar; ele não está ligado a nenhum movimento artístico.
    • Acontecerá o mesmo com Boccioni e a promoção do futurismo.

     

    “A boba”, Anita Malfatti, 1915-16, óleo sobre tela, 61 x 50,6 cm, MAC USP
    “O homem amarelo”, 61 x 51 cm, IEB USP – exposto em 1917

    • Ao contrário de “A boba”, “O homem amarelo” estava na exposição de 1917.
    • Em “A boba” a figura é mais esboçada: não é tanto o caso do “homem amarelo”.
    • O tratamento da cor na Boba é diferente entre figura e fundo, a roupa é mais definida e as camadas são leves. No “homem amarelo” são pinceladas densas, com cores quentes, vermelhos terrosos que são cores secundárias.
    • O expressionismo nas duas obras: o “homem amarelo” se aproxima mais do fauvismo (vertente francesa do expressionismo), a Boba lembra os retratos femininos do expressionismo alemão, nos contornos que são externos às formas, são traços pretos sobrepostos às camadas de cor, enquanto no HA o contorno faz parte da figura.


    “A mulher de cabelos verdes”, Anita Malfatti, 1915-16, óleo sobre tela, 61 x 51 cm, Coleção Airton Queiroz, Fortaleza – exposta em 1917

    • Tem as mesmas dimensões da Boba, é do mesmo período do “homem amarelo”, mas é bem diferente de ambos.
    • Em ambas parece ser a mesma cadeira.
    • Os traços do desenho do fundo reverberam nas formas das roupas, assimilando a figura, como se a figura se expandisse. Nesse ponto, tem mais a ver com o dinamismo do futurismo do que com a linguagem expressionista.
    • Os olhares: nos três quadros ela tem a preocupação com o olhar; eles têm em comum a forma das sobrancelhas, mas são olhares diferentes.
    • A mulher está mais enquadrada na composição; é um retrato tradicional realizado de forma moderna.

     

    “A estudante russa”, Anita Malfatti, 1915, óleo/tela, 76 x 61 cm, IEB USP – exposta em 1917

    • A paleta de cores é a mesma da Boba, mas as cores são utilizadas de forma diferente.
    • Observar como Anita está refletindo sobre o próprio trabalho, buscando a própria forma de expressão.
    • Aparece em duas Bienais: 1951 (sala especial) e 1963 (7a)
    • Há uma crítica de Luis Martins de 1945, em que ele reforça a ideia de que Anita teria abandonado a linguagem expressionista, que era vista como primitiva (para uns, isso era positivo, pois havia a busca de uma arte moderna brasileira; para outros, o primitivismo era comparado às pinturas dos pacientes psiquiátricos).
    • Essa ideia já foi superada [ver texto de Tadeu Chiarelli no final do resumo]

     

    Homer Boss, Retrato com cadeira vermelha e azul cintilante, 1920, óleo/tela, Whitney Museum of American Art (?)

    • Homer Boss tinha sido professor de Anita nos Estados Unidos.
    • É um artista sobre o qual sabe-se pouquíssimo; está inserido no contexto da pintura de vanguarda norte-americana de cunho social.
    • É uma pintura de 1920 (4 anos depois da Boba), mas se assemelha muito na figura feminina, no olhar absorto, nas cores da figura e do fundo.
    • Sabe-se que Boss levava os alunos para pintar no rio Hudson, que aparece em uma pintura de Anita.
    • Em uma conferência no Salão de maio/1939, Anita fala da sua descoberta da vanguarda artística europeia presente nos Estados Unidos naquele momento.
    • Anita está tentando encontrar uma linguagem plástica a partir da cor. Isso se perpassa em todas as obras.

     

    A imagem do artista – Originalidade/modernismo

    • As obras de Modigliani e Anita que vimos são aproximadamente do mesmo período, produzidas no ambiente de debate em torno da renovação da linguagem plástica da pintura. Momento de superação do boom inicial das vanguardas.
    • Foi proposto analisar as duas obras como autorretratos (embora o da Anita não seja, explicitamente)
    • Técnica de originalidade dos dois artistas: ambos estão em busca de uma marca registrada na sua pintura.
    • Elementos de primitivismo, Modigliani X Anita: em Anita, na relação que pode existir com a arte do inconsciente; em Modigliani, nas referências à cultura arcaica (elementos da cultura visual da tradição de seu país), também presente em Brancusi
    • A questão do “flatness”: Dentro da discussão proposta por T.J.Clark, como podemos analisar a ênfase à bidimensionalidade nos dois casos?
    • Os contornos acentuam o aspecto bidimensional. Em Modigliani, ele achata mais pela pincelada. Ambos sobrepõem a figura a um fundo em que exploram a pincelada.
    • Hibridismo e superação dos diferentes vanguardismos: Modigliani se vale da tradição para fazer uma arte moderna. Anita não tem uma tradição determinada.

    Analisar essas obras juntas nos ajuda a romper com a ideia de descompasso, de uma produção brasileira como de segunda ordem.


    Textos adicionais:

    (consultar também a bibliografia específica da aula no programa do curso)

    CHIARELLI, Domingos Tadeu. “Tropical, de Anita Malfatti”. In: Novos Estudos, CEBRAP, nº 80, 2008, p. 163-172.

    MALFATTI, Anita. “1917”. In: RASM – Revista Anual do Salão de Maio, São Paulo, nº 1, 1939.

    Exposição “Anita Malfatti: 100 anos de arte moderna”. BARROS, Regina Teixeira de. Museu de Arte Moderna de São Paulo, 7 de fevereiro a 30 de abril de 2017.


  • AULA V – 29/08: Vanguardas históricas: “Formas únicas e continuidade no espaço” de Umberto Boccioni e “A negra” de Tarsila do Amaral

    Na galeria

    “Formas únicas de continuidade no espaço”, Umberto Boccioni, 1913, gesso, MAC USP

    • Nessa figura, Boccioni dá materialidade ao movimento no corpo da figura; confere continuidade ao espaço que a figura já percorreu.
    • Estruturas muito sólidas dão a base para a figura, pois a estrutura da escultura em si é muito precária.
    • Essa obra faz parte da pesquisa de Boccioni em que ele tenta resolver o problema de representação da quarta dimensão, da interpenetração entre tempo e espaço. Tratava-se de uma pesquisa do campo da Física daquele momento. A figura é a síntese dos vários movimentos que a escultura ocupa no espaço, junto com todas as formas que estão em volta dela e que o olho capta quando a olha
      [ver: https://it.wikipedia.org/wiki/Antigrazioso ]
    • A cor: o gesso era muito branco, o que acentua as sombras da escultura. Está amarelado por causa dos processos de fundição, para os quais se cobria o gesso com um verniz protetor. A mesma escultura em um material escuro com o bronze é percebida pelo nosso olhar de outra forma.
    • Além disso, o gesso é um material mais frágil que o bronze, mais suscetível à ação do tempo, enquanto o bronze é mais sólido e duradouro.
    • O uso do gesso faz parte das propostas futuristas para a arte moderna. No Manifesto Futurista, fala-se em expansão de materiais para uso em escultura.
    • Ainda que seja uma obra de arte moderna, foi concebida de maneira tradicional:
      • Boccioni não era escultor, não dominava a técnica da escultura, por isso recorreu à ajuda de um artesão para realizar o gesso. A obra tem uma estrutura de armação precária, quase não usa estopa, o que faz pensar que o artista teria trabalhado com formas pré-moldadas.
      • Ele tem presente modelos do séc. XIX, como a escultura de Rodin (“Homem que caminha sobre coluna”, 1877) e as fotos com sequências de movimentos de Marey. E também uma obra da estatuária antiga, a Vitória de Samotrácia (séc. II a.C.), figura alada, sem braços e cabeça, com roupas esvoaçantes. Ele escolher uma figura que caminha para representar o faz colocar-se nessa tradição.
    • Alguns alunos viram, nas formas do gesso, uma espécie de anatomia exposta, ou uma referência a partes da anatomia animal. Por outro lado, há um desejo de representar a dinâmica das máquinas, que fica mais evidente na escultura em bronze.
    • Esse desejo já aparece em obras de pintura como “Dinamismo de um ciclista” (1913), em que representa as linhas de força aerodinâmica, em que desenha linhas de expansão que criam esse dinamismo.
    • Embora fosse avesso à fotografia, fez muito uso dela para divulgação dessa obra. Promoveu, com Filippo Tommaso Marinetti, uma grande campanha de promoção do Movimento Futurista na Europa. O futurismo era um novo modo de vida. Escreve alguns textos sobre o movimento e assina com Marinetti os manifestos seguintes.
      • Essa obra foi exibida em Paris, Florença e Londres. Era uma das obras que ficavam no imaginário das pessoas. Ele também escreveu uma coletânea de textos sobre o futurismo.
      • Em 1914 ele organiza uma série de ensaios em que teoriza sobre pintura e escultura futuristas.
    • Embora o futurismo não deseje a fusão de arte e vida – como Peter Bürger caracteriza as vanguardas –, trata-se da interação do indivíduo na relação espaço-tempo.
    • Outro valor importante é a ideia de movimento, dado essencial da vida daquele momento.
    • Hoje são identificáveis seis bronzes produzidos com a autorização de Benedetta Marinetti.

     

    “A negra”, Tarsila do Amaral, 1923, óleo s/ tela, 100 x 81,3 cm

    • Obra de dez anos depois de “Formas únicas...”.
    • Não há um foco luz que incide sobre a figura; há apenas um certo tratamento de sombra que ela usa para criar um volume na figura, diferentemente do fundo.
    • O seio destacado é um atributo importante, pois a identifica como uma mulher; esta mulher é uma lembrança forte da infância, era sua ama de leite – portanto traz uma experiência pessoal da artista.
    • O fundo em faixas alternadas dá uma sensação de ritmo; as cores terrosas remetem à cultura autóctone brasileira.
    • É a primeira vez de Tarsila na Europa como estudante. Depois trabalhará no ateliê de André Lhote e depois com Fernand Léger.
    • Naquele momento, Tarsila era ainda uma artista iniciante no movimento modernista.
    • Lida com a questão da identidade nacional, com o imaginário brasileiro e a iconografia brasileira do século XIX; a folha de bananeira estilizada é outro elemento importante.
    • Esta obra não foi realizada para ser exibida para o publico brasileiro, e sim para ser exposta no contexto artístico parisiense.

      

    Na sala de aula

    Foto: “Formas únicas da continuidade no espaço” na exposição das esculturas do artista em 1913; fotografada por Lucette Korsoff, amiga de Boccioni; uma das primeiras vezes em que foi exposta em Paris.

    • Boccioni teria participado da elaboração do primeiro Manifesto Futurista, em 1909, e dos dois manifestos de pintura seguintes. Ele e Marinetti viajaram por várias capitais da Europa para divulgar essa nova linguagem da arte moderna italiana.
    • Em 1913 faz essa exposição em Paris.
    • Sua formação é como pintor, não escultor. Assim, precisou da ajuda de um profissional para a elaboração da escultura em gesso, para a posterior fundição em bronze. Esse profissional era chamado de “formatore”, é aquele que faz o molde em gesso). Há registros fotográficos desse processo.
    • Referência fundamental para Boccioni, em seu Manifesto da Escultura Futurista, 1912, é o escultor italiano Medardo Rosso.
    • Boccioni e o que ele chama de “escultura de ambiente” em seu Manifesto:

     

    “A nova plástica (sic – o correto seria “escultura”) será, pois, a tradução no gesso, no bronze, no vidro, na madeira e em qualquer outra matéria, dos planos atmosféricos que ligam e interseccionam as coisas.”

     “Na escultura como na pintura, não se pode renovar senão buscando o estilo do movimento, isto é, tornando sistemático e definitivo como síntese aquilo que o impressionismo deu como fragmentário, acidental e, portanto, analítico. E essa sistematização das vibrações de luzes e das compenetrações dos planos produzirá a escultura futurista, cujo fundamento será arquitetônico, não apenas como construção de massas de modo que o bloco escultórico tenha em si os elementos arquitetônicos do ambiente escultórico em que vive o motivo.”

    “Naturalmente, daremos uma escultura de ambiente.”

    • Assim, uma obra como essa resulta da interpretação dos vários planos que o olho capta.
    • É diferente do cubismo analítico, no qual o movimento vem da fragmentação dos planos de um elemento, que são colocados na superfície bidimensional. Boccioni, porém, fala em síntese do espaço, isto é, as outras superfícies que o olho capta quando observa a escultura.

     

    Foto: Medardo Rosso, “Impressão do boulevard. Paris à noite”, s.d., fotografia no ateliê do artista de obra destruída.

    • O artista parece tentar resolver a imagem do vulto. Vultos nas ruas de Paris, iluminada a gás. Medardo Rosso estava envolvido com o ambiente moderno de Paris.

     (...) Quando o olho repousa, ele pode experimentar as impressões sentidas pelo artista, todas aquelas que ditaram para sua mão a forma que ele tem diante de si. Ele experimenta então um sentimento de toda outra perspectiva, diferente daquela ensinada nas escolas. É por isso que acho que é impossível ver um cavalo com quatro patas de uma vez, ou um homem como um boneco isolado no espaço.  Acho também que tanto o cavalo quanto o homem pertencem a um todo do qual não podem se separar, ao ambiente que o artista deve levar em consideração.

    (Declaração de Rosso para a enquete do jornalista francês Edmond Claris sobre a escultura impressionista)

    • Massa: as figuras são penetradas por uma atmosfera.
    • Boccioni busca a interpenetração dos planos. Extrai a ideia de que a escultura não pode ser fisicamente o que ela representa no espaço. Enquanto os cubistas se concentram na figura, Boccioni quer integrar o entorno na mesma escultura.

     

    Foto “Expansão espirálica de músculos em movimento” e “Síntese de dinamismo humano”, em gesso, depois das mostras de 1914, no ateliê do artista, c. 1914-15

    • Essas obras vão para Florença, Roma, Londres.
    • “Formas únicas...” é a única escultura da exposição fotografada nos 4 lados, no catálogo.

     

    Foto: “Formas únicas...” fotografada na exposição de tapeçaria moderna, no MAM de São Paulo, em 1959

    • Tinha sido comprada por Ciccillo em 1952 e tudo indica que chegou a São Paulo em 1959.

     

    Reproduções bronzes

    • Os outros cinco bronzes que sabemos que foram feitos a partir do nosso gesso.
    • Boccioni morre em 1916. Há pelo menos 2 mostras comemorativas dele; as nossas são inicialmente adquiridas por uma aristocrata milanesa, Luisa Casatti di Stampa; Marinetti as compra dela; manda fundir em uma fundidora em Nápoles, com autorização de Benedetta Marinetti. A nossa cópia foi feita em 1960, também com a autorização dela.
    • O bronze do MoMA manteve o dourado da superfície.
    • Nos anos 1930 essa discussão da máquina volta. O bronze acentua a relação das formas da figura com as formas da máquina, e naquela década havia o desejo de projetar a Itália como um país moderno. É claro que esse não é o discurso de Boccioni em 1913: naquele momento, ele buscava uma linguagem nova para a escultura italiana, mais ligada à ideia de movimento que da máquina.
    • No MoMA, Alfred Barr escolhe uma réplica da Vitória de Samotrácia para ser colocada próxima a “Formas únicas...”. As duas figuras estão na mesma posição, têm o mesmo efeito esvoaçante.
    • Outra referência é Giacomo Balla, representação do puro movimento abstrato.

     

    “Britadeira” [Rock Drill], Jacob Epstein, 1913 ca. (foto da obra inacabada – ateliê do artista)

    • Epstein foi um artista lituano que fez carreira em Londres.
    • É uma figura de robô com armadura (britadeira) e tripé de metralhadora. Nunca foi exibida em exposições, a foto é de época e de ateliê.
    • Outras referências são: Rodin, no tema do “homem que caminha”;  as fotografias de cavalos em movimento de Eadweard Muybridge (anos 1870); e o fotógrafo Man Ray.
    • Há um movimento de renovação das artes na Itália e figuras fundamentais desse movimento são Boccioni e Marinetti. Fala-se em como representar o espaço temporal e o movimento. Embora não seja uma reivindicação de utopia, a discussão que eles trazem vai modernizar a sociedade italiana.
    • Os futuristas apoiam os movimentos pró-guerra (cf. Manifesto Futurista, 1909). Cria-se o batalhão dos ciclistas para controlar as fronteiras do norte (embate com a Áustria).
    • Das figuras que caminham de Boccioni, “Formas únicas...” foi a única obra que restou.
    • Tratada como versão mais acabada e “bem resolvida” de Boccioni (texto Roberto Longhi), que tinha morrido em 1916. A renovação depende da linguagem moderna da arte, e Boccioni torna-se o representante dessa renovação da arte moderna na Itália, junto com Modigliani. São dois artistas que não tinham sido contaminados pelo fascismo.

     

    Vimos Anita Malfatti (aula passada)

    • Imagens: foto de “Formas únicas...”; Anita Malfatti, “O homem das 7 cores”, 1915-16, pastel/papel, MAB FAAP e “Torso/Ritmo”, 1915-16, pastel/papel, MAC USP.
    • São dois pastéis de Anita Malfatti; difícil pensar que ela não tenha visto essa obra de Boccioni. O tipo de traçado e de forma que ela trabalha é muito próximo do modo de Boccioni, a vibração de movimento é muito parecido com as linhas de força que ele aprende com Balla.
    • As cores, embora “tropicais”, são metalizadas, fluorescentes, o que lhe confere uma espécie de “modernidade futurista”.
    • Os futuristas eram muito eficazes na divulgação do movimento. Foi publicada uma tradução para o português do manifesto de Marinetti dois meses depois de ter sido lançado na França. Mario de Andrade está acompanhando as dicussões da Europa, assinava a L’acerba.


  • 5/09 – SEMANA DA PÁTRIA: NÃO HAVERÁ AULA

  • AULA VI – 12/09: Expressionismos e arte degenerada: “As mães” de Käthe Kollwitz e “A santa da luz interior” de Paul Klee

    Na galeria

    “Santa da luz interior”, Paul Klee, 1921, litografia s/ papel, 38,9 x 26,7 cm

    • Ele escolhe a técnica da litografia, uma técnica moderna, criada no séc. XIX para produzir impressões em escala industrial (de etiquetas, por exemplo).
    • O efeito de “manchas sujas” é proposital. Parecem camadas sobre a figura.
    • Nessa versão a cores, a figura branca ganha destaque sobre o fundo bege.
    • Dá à figura o título de “santa”, mas ela é destituída de qualquer atributo de santidade.
    • A representação é "desfigurada", assimétrica, mas as obras que vimos de Anita Malfatti e Modigliani também tinham essa característica. Então por que isso aqui é mais evidente?
    • Não é uma figura realista. Há um grau acentuado de subjetividade, em como percebemos as figuras. Ao romper com todos esses códigos, com o cânone do retrato, Klee propõe que a figura seja vista de outra forma, não como a representação de uma santa.
    • O desenho “infantil”: há uma busca pela pureza, por algo que não foi contaminado por códigos da sociedade.
    • Ele acredita num outra verdade, que não é a que os olhos veem, mas a da percepção. Encontra isso nos códigos visuais infantis e nas culturas ditas primitivas. Isso vem do contato com a cultura material da África e do extremo Oriente desde o séc. XIX.
    • Ao escolher como tema uma santa, uma iconografia religiosa, Klee trabalha dentro de outro registro. Em 1905/1906, houve o desejo de renovar a arte na Alemanha através do resgate da cultura tradicional/popular, recuperando formas de representação popular e técnicas tradicionais locais, como a xilogravura. Klee estava ligado ao grupo O Cavaleiro Azul,  cujos artistas retomaram alguns elementos da cultura tradicional/popular para renovação de sua linguagem plástica.
    • Entre o fim do séc. XIX e início do XX, no campo da música, havia alguns artistas fazendo experiências de desconstrução dos códigos canônicos da composição musical (Eric Satie na França, Schoenberg na Alemanha), estabelecidos um século antes.
      • Nos anos da guerra, Klee faz estudos com cores e linhas de “O Cravo Bem Temperado” de Johann Sebastian Bach.
      • Wassily Kandinsky também trabalha com teoria musical nas suas obras. Kandinsky também estava envolvido com o Cavaleiro Azul; foi professor da Bauhaus no mesmo período que Klee; trabalham juntos por toda a vida.
      • Satie e Schoenberg recuperam a música arcaica, Satie reproduz a música grega antiga.
      • Em 1913, Igor Stravinsky cria a “A Sagração da Primavera”.
    • A partir dessa experiência, surge um movimento de desconstrução também na dança, como a companhia de dança Ballets Russes de Sergei Diaghilev, para a qual Eric Satie compôs o balé “Parade” e Vaslav Nijinski coreografou “A tarde de um fauno”, com movimentos a partir da estatuária egípcia, e música de Claude Debussy.
    • Sobre o contexto de produção: nesse momento ele é professor da Bauhaus, está em contato estreito com colegas envolvidos com essas outras artes. A litografia é uma das pranchas do primeiro álbum de professores da Bauhaus, publicado em 1921. Além desta, Klee produziu pelo menos mais 2 litografias, ao lado de xiolgravuras de Lyonel Feininger, dentre outros de seus colegas da Bauhaus. O álbum foi editado em tiragem de 100 exemplares.
    • Em 1921, o psiquiatra Hans Prinzhorn lançou um livro com obras produzidas por pacientes psiquiátricos, foi um dos primeiros estudos sobre as imagens do inconsciente, hoje em um museu em Heidelberg.

      

    “As mães”, Kathe Kollwitz, 1922/23, xilogravura s/ papel, 44,2 x 55,2 cm

    • Ligada à Secessão de Berlim, antinazista, pacifista, militante (principalmente depois da perda do filho na I Guerra Mundial). Era professora da Academia de Düsseldorf. Foi banida da Alemanha pelo nazismo.
    • É uma xilogravura, técnica de reprodução que usa uma matriz de madeira. Cria um efeito de dureza, com cores chapadas sem meios tons.
    • Também se trata de uma das pranchas de um álbum de xilogravuras que Kollwitz publicou em 1923 – ÁLBUM “KRIEG” (GUERRA)
    • As mulheres formam um grande bloco monolítico, reforçando a ideia de resistência, união.
    • Kollwitz estava ligada aos movimentos sociais de trabalhadores. Essas mães são trabalhadoras.
    • O artista brasileiro Flávio de Carvalho estava ligado à frente antifascista no Brasil e cria, com outros artistas, do Clube de Artistas Modernos (CAM). Em 1933, a primeira exposição que organizam é de Kollwitz. Mário Pedrosa é convidado a fazer uma conferência durante a exposição de Käthe Kollwitz, sobre o trabalho da artista. “As tendências sociais da arte de Käthe Kollwitz” é o primeiro ensaio de crítica de arte de Pedrosa.
    • Certamente foi muito vista também pelo artista Lívio Abramo.

      

    Na sala de aula

    Paul Klee

    • Reconstruindo o contexto de produção das obras: essas obras não foram concebidas para serem exibidas penduradas numa galeria, não tinham moldura; eram parte de álbuns de gravura.
    • No caso de Klee, trata-se de um álbum que a Bauhaus fez para divulgar o trabalho dos seus professores. Circulava em formato de publicação.
    • São 3 as obras de Klee nesse álbum.
    • A “Santa...” teve uma tiragem colorida e uma preto e branco.
    • Em 1920, escreve o texto “O credo criativo”. Para ele, o desenho tem papel fundamental, o traço significa algo a mais.

     [Citação: Klee, Paul. “O credo criativo”. In: Chipp, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1988 (livro na bibliografia geral)]

    Esse trecho traz várias questões importantes:

    • Aspecto didático: nesse momento, Klee é professor da Bauhaus, e parece querer resolver didaticamente como esse desenho tem essa força.
    • Divulgação: outro ponto é a importância que têm essas pranchas no que se refere à divulgação dessas ideias; em como ele cria coerência entre o que acredita, o que faz como professor e o que faz como artista.

     Bauhaus

    • O álbum da Bauhaus tem a função de disseminação dessas ideias, das várias técnicas disponíveis no programa dos cursos.
    • Foram feitos 100 exemplares. O público-alvo era, provavelmente, aqueles que participavam do ambiente artístico alemão, galeristas, etc. Isso faz pensar na relação da Bauhaus com o mercado de arte.
    • A Bauhaus tinha um currículo circular, “horizontal”. O programa rompia com os princípios tradicionais da escola de Belas Artes (anatomia, geometria, figura humana), onde algumas disciplinas eram obrigatórias para seguir em frente. Na Bauhaus, tudo isso é exterior à arte, as disciplinas eram mais baseadas mais nos materiais, cores, formas, técnicas (oficinas de gravura, de cor, têxtil, etc.)
    • É um projeto de transformação da sociedade.

     

    Käthe Kollwitz

    • Ela começou a fazer esse álbum em 1919; foi lançado em 1923; e exposto na abertura do museu anti-guerra de Berlim em 1924.
    • Terá uma fortuna crítica importante no Brasil. Atrai a atenção de artistas expressionistas brasileiros com a ideia de arte social.
      • Em 1945, uma galeria fundada por judeu austríaco imigrado, a Galeria Askanazi, realiza uma exposição de arte “degenerada”, mas no bom sentido.
    • O nome desse álbum é “A guerra”, as imagens estão ligadas principalmente ao drama universal da morte. Esse tema se sobressai às causas da classe proletária, que era a leitura de Mário Pedrosa, embora essa também fosse uma questão importante.
    • O filho dela tinha morrido na I Guerra. A morte era um tema recorrente para a artista. Há um álbum anterior chamado “A morte”.

     [Citação texto Mario Pedrosa, “As tendências sociais da arte e Käthe Kollwitz”, na bibliografia específica da aula]

     

    Vinculação com os expressionismos

    • O expressionismo tem um campo expandido no universo da arte, não fica restrito aos ambientes onde surgiu (a vertente alemã, a partir dos grupos O Cavaleiro Azul e A Ponte; e a vertente francesa – o fauvismo).
    • Traz a ideia de universalidade, de essência humana, de subjetividade.
    • Essas ideias têm origem em uma tradição mais antiga, a do Romantismo francês.
    • Os valores que Kollwitz defende se identificam com esses grupos do expressionismo alemão, embora não tenha feito parte deles.

     

    O termo “gravura”

    • Com a institucionalização dos museus de arte moderna, a catalogação das obras se dá a partir do suporte (antes, as obras eram separadas por escolas artísticas/regionais). Para isso, foi necessário criar termos que tiveram de dar conta desse universo de materiais.
    • Esse sistema acaba mascarando a relação que esses artistas tinham com a grande imprensa, a grande gráfica, com os meios de comunicação de massa. A Bauhaus se beneficiava do maior parque gráfico do mundo nesse momento. Vários artistas colaboraram com jornais, periódicos, como ilustradores, designers gráficos.
    • Os museus ainda tem grande dificuldade em catalogar os objetos.

     

    * * *

    • Há uma circulação enorme desses álbuns e desdobramentos no mundo todo. No Brasil, Lasar Segall cria o álbum “O mangue” e Di Cavalcanti, o álbum “Fantoches da meia-noite”.
    • Essa ideia de que a arte moderna só se dá com a Arte (com A maiúsculo) deve ser repensada. A questão das publicações é muito importante. Essas imagens eram feitas para circular, a partir da possibilidade de reprodutibilidade técnica.
    • O contato com a obra de arte, desde a invenção da prensa, se dá por meio da sua reprodução. Os artistas das vanguardas tinham noção desses meios de reprodução e de comunicação em massa.
    • Naquele momento, documento, manifesto, imagem, biblioteca, espaço da galeria de arte, para esses artistas eram uma coisa só.

     

    Site do MoMA sobre expressionismo:
    https://www.moma.org/s/ge/curated_ge/index.html

     

    Página de Käthe Kollwitz:
    https://www.moma.org/s/ge/collection_ge/artist/artist_id-3201.html

     


  • AULA VII – 19/09: Primitivismos: aquarelas de Vicente do Rego Monteiro e “Autorretrato” de Schmidt-Rottluff

    Na galeria

    “Autorretrato”, Karl Schmidt-Rottluff, xilogravura, 1916-17

    Quanto ao desenho, há dois dados fundamentais:

    • Ao se representar como negro, Schmidt-Rottluff se coloca como artista moderno.
    • Além disso, os traços remetem a uma máscara: é provável que ele tenha se inspirado nas máscaras das tribos da região do Congo

     Quanto à técnica:

    • É uma xilogravura, o desenho tem um aspecto escultórico, acentuando o efeito de máscara tribal – as máscaras africanas também têm esse traço largo, de efeito “entalhado”.
    • Schmidt-Rottluff também fez pinturas, mas se dedicou principalmente à xilogravura, com uma produção intensa entre 1909 e 1920. Lutou na Primeira Guerra, foi soldado do front, e sai dessa experiência abalado. A tensão do desenho tem a ver com essa experiência.

    Assim, há dois dados importantes nessa obra: a experimentação plástica e formas ancestrais.

    • Para as hachuras largas e as formas angulosas, a referência é a cultural visual africana que chegava à Europa pelo processo de colonização dos países daquele continente. A questão é entender como esses artistas usaram esse legado e como ele influenciou a produção deles.
    • Schmidt-Rottluff foi um dos fundadores do grupo A Ponte (fundado em 1905 em Dresda), que reunia artistas que desejavam renovar a vida e a sociedade por meio da arte. Para isso, defendiam o resgate da tradição local e de técnicas essenciais, pré-revolução industrial. A xilogravura é uma técnica imaculada, “não contaminada” pelas transformações industriais e pelo progresso técnico científico.
    • No início do séc. XX estavam acontecendo uma série de tensões e conflitos que levaram à Primeira Guerra. Ao mesmo tempo, avançavam os estudos do mundo do inconsciente e da subjetividade do ser humano, em oposição ao positivismo cientificista que reinou na segunda metade do séc. XIX.
    • Schmidt-Rottluff busca a essencialidade do “primitivismo” nos objetos de cultura material que eram trazidos do continente africano e formavam acervos em museus etnográficos em Berlim. Foi o mesmo processo para os cubistas.
    • Ao representar-se assim, o artista quer desvincular-se da tradição ocidental.
    • Um ponto importante a observar é a necessária relação entre forma e conteúdo, isto é, que o artista, ao expressar valores, conteúdos, sentimentos, deve utilizar-se da forma adequada.

     

    As aquarelas de Vicente do Rego Monteiro

    • São estudos preparatórios para um espetáculo.
    • Rego Monteiro vai ao Rio para acompanhar a irmã que vai estudar na Academia de Belas Artes. Acaba se interessando por arte e torna-se artista também.
    • Em 1919 começa a interessar-se pela cerâmica marajoara, a partir do contato com os objetos do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Ou seja, seu contato com o “primitivo” se dá da mesma forma que com Picasso e Schmidt-Rottluff.
    • Ele trabalha com a cultura autóctone indígena, mas a partir de certos elementos que já eram difundidos. A partir deles cria essa identidade, de certa forma. Está tentando construir sua nova linguagem plástica, moderna, através do “primitivo”.
    • O modo de desenhar essas figuras tem muito em comum com os desenhos científicos realizados nas expedições coloniais para descrever os tipos físicos dos indígenas. Portanto, há uma certa hibridização das culturas com as quais ele convive.
    • Um dado importante é que esse espetáculo seria encenado não no Brasil, mas em Paris. A ideia de uma arte brasileira é construída para um público que não era o brasileiro, o que leva a refletir sobre a relação que temos com o mundo externo.
    • Rego Monteiro é um artista ainda pouco estudado, não recebeu a mesma atenção que os outros artistas contemporâneos a ele. Participou da Semana de 1922, mas passou a ser estudado bem mais tarde. Isso pode se dever ao fato de ele ter passado grande parte de sua vida na França.
    • O crítico Ronald de Carvalho (1893-1935) foi o primeiro a escrever sobre ele. Já na segunda metade do séc. XX, o professor Walter Zanini (1925-2013), primeiro diretor do MAC, começou a entender a importância do artista para o cenário artístico brasileiro, e publicou em 1997 um grande estudo sobre ele, junto ao catálogo raisonné de sua obra.
    • Mais uma vez, a relação entre forma e conteúdo: para representar a arte brasileira, Rego Monteiro escolhe as formas da cerâmica marajoara e usa a solução da aquarela de anotação científica do séc. XIX.

     

    Na sala de aula

     [retomando “A negra”, Tarsila do Amaral, 1923, óleo s/ tela, 100 x 81,3 cm]

    • Embora Anita estivesse envolvida com o ambiente artístico na Semana de 1922, a historiografia brasileira mais recente tem tomado Tarsila como a vanguarda.
    • A própria Tarsila considera A Negra uma pintura pré-antropofágica.
    • Trata-se de uma proposição de Tarsila para uma vanguarda brasileira, assim como Boccioni foi a proposição para uma vanguarda italiana.
    • Emergência do “primitivismo” na Europa: há um interesse das vanguardas, sobretudo o cubismo, pelas culturas da África.
      • É o momento de formação dos Estados-nação, que vão disputar aqueles territórios.
    • Nos anos 1920, esse “primitivismo” passa a ser visto também por outras chaves, como a arte dos autodidatas, dos pacientes psiquiátricos e das crianças.
      • O mesmo já tinha acontecido na segunda metade do séc. XIX: o orientalismo influenciou os artistas, após o contato da Europa com o Japão e a África islâmica.
      • A Negra se encaixa nesse momento de revisão dos anos 20, de ressignificação do passado colonial brasileiro.
    • Blaise Cendrars, escritor suíço ativo em Paris, vem ao Brasil nos anos 1920. Os modernistas se reúnem para apresentar-lhe o Brasil e com ele fazem viagens às cidades históricas/coloniais de Minas Gerais.
      • Cendrars interessa-se pelo trabalho de Tarsila e por vendê-lo para a Europa. Assim, A Negra passa a ser uma espécie de cartão de visita.
      • Cendrars publica a coletânea de poemas Folhas de viagem, em 1924, depois de sua primeira viagem ao Brasil, com ilustrações de Tarsila. A capa do livro é um dos desenhos preparatórios de “A Negra”.

    Maquete do cenário e do figurino criado por Fernand Léger, para o balé “Criação do Mundo” - livreto de Blaise Cendrars e música de Darius Milhaud, estreado em outubro de 1923

    • Imagem de Léger: são formas e motivos tribalistas, mas muito estilizados. Darius Milhaud, com Paul Claudel, foi adido cultural no Brasil, antes de voltar à França. Criaram alguns balés e espetáculos modernistas, não para serem encenados no Brasil, e sim na França.
    • Léger era representado por Léonce Rosenberg, que promoveu os vanguardistas franceses nos anos 1920 (entre eles, Picasso). A primeira exposição de Tarsila é negociada entre Léger e Rosenberg.

     

    “Autorretrato”, Tarsila do Amaral, 1923, óleo/tela, coleção particular

    • Com A Negra compartilha a mesma forma sólida, a posição da mão.

     

    “A caipirinha”, Tarsila do Amaral, 1923, óleo/tela, coleção particular

    • Nessa obra há uma tentativa de elaboração da artista do que seria A Negra.
    • A mulher retratada na Negra vem de um sonho de Tarsila, a partir da lembrança da ama de leite na fazenda de Sorocaba.
    • A figura angulosa lembra as figuras de Léger. O artista francês, além de mestre de Tarsila, tinha se apresentado em 1921 com o espetáculo das aquarelas.
    • É uma índia.
    • Sonia Salzstein faz uma crítica muito negativa sobre a obra.
    • A “Compoteira com peras” de Léger (1923, óleo sobre tela), hoje no MASP, pertencia à coleção de Olivia Guedes Penteado, grande companheira de viagem de Tarsila.
    • O modernismo brasileiro nesse momento é um projeto de uma elite intelectual paulista.

     

    “Caipira picando fumo”, José Ferraz de Almeida Júnior, 1893, óleo/tela, Pinacoteca do Estado de São Paulo

    • O Caipira de Almeida Jr. foi exibido no Salão parisiense de 1894 e muito comentado pela crítica de arte da França.
    • Jorge Coli já sugeriu uma interpretação da Negra como uma releitura desta obra de Almeida Júnior: têm a mesma composição centralizada na vertical e horizontal, são praticamente do mesmo tamanho.
    • Pensar na chave da genealogia da produção brasileira, da experiência de pintura local.

     

    * * *

    Vicente do Rego Monteiro [foto com a exposição no hall do teatro]

    • Para o espetáculo no Teatro Trianon (Rio de Janeiro, 1921), ele criou uma exposição no hall com as aquarelas.
    • Há 2 publicações importantes em Paris. “Lendas, crenças e talismãs dos índios da Amazônia”, na qual ele reproduz algumas dessas aquarelas, 1923.
    • Imagem: capa de “Lendas...” ao lado de urna funerária marajoara, 400-1400 A.D., cerâmica, Ilha de Marajó, Museu Nacional do Rio de Janeiro.
    • Há um projeto de nação brasileira, de criação de identidade nacional. Na segunda metade do séc. XIX, ocorre a criação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, que tinha a função de recolher e documentar o legado da cultura brasileira e proteger as fronteiras do norte do país.
      • Cria-se o Museu Paraense Emilio Goeldi, com o estabelecimento das coleções etnográficas de Emilio Goeldi.
      • Na literatura, modelos como Os Sertões de Euclides da Cunha.
      • Ocorrem as expedições de Cândido Rondon
      • E no final do século XIX, o ciclo da borracha.
      • É nesse contexto de circulação de novas descobertas que Rego Monteiro conhece a cultura marajoara.

     Quelques visages de Paris”, Vicente do Rego Monteiro, 1925; detalhe da prancha com a Torre Eiffel

    • Publicação com textos e imagens de Paris, como se fosse sob o olhar de um índio marajoara. Ele fala em primeira pessoa e cria um código visual, com imagens estilizadas.
    • Relação dos artistas com o “primitivismo”. É um momento em que há, na Europa, uma busca pelas culturas autóctones – na França, a redescoberta da Bretanha; na Itália, da cultura etrusca; na Inglaterra, etc.
    • O MAC USP foi o primeiro museu brasileiro a fazer uma mostra de revisão da obra de Rego Monteiro, a partir de 1972/1973, quando o prof. Zanini inicia seus estudos que culminarão com a publicação do catálogo em 1997.

    * * *

    Karl Schmidt-Rottluff, Autorretrato do MAC USP e álbum “Dez gravuras em madeira de Schmidt-Rottluff” (1916), publicado em 1919

    • Nosso autorretrato tem uma linguagem muito próxima à desse álbum.
    • Não sabemos se é uma prancha solta ou se fez parte desse álbum. Isso ainda está sendo estudado. Hanna Bekker von Rath tinha um gabinete de arte e esta obra estaria lá, mas o gabinete era ativo só a partir dos anos 1930.

     

    “São Francisco”, Karl Schmidt-Rottluff, 1919, xilogravura, MoMA, Nova York

    • Faz parte de um conjunto de xilogravuras religiosas, a partir de 1919. Aproxima a fisionomia do santo à das máscaras, na qual os traços são reminiscências do ato de escavar a madeira, quase escultóricas.

     

    Elementos novos para abordagem do Primitivismo

    Alguns autores tentaram analisar essa produção e a ideia de primitivismo sob outros aspectos:

    • A ideia de primitivismo cria uma nova relação entre tempo e espaço:
      Mundo primitivo X Civilizado, o que implica numa visão a-histórica de povos não-ocidentais
    • A ideia de gênero e o primitivo:
      - instinto “natural” X “selvagem”
      - figura feminina X racionalidade, cultura, figura masculina (a mulher primitiva como prostituta)
    • Raça: 
      - homem branco, ocidental, civilizado X homem negro, de comunidades minoritárias, judeus, etc., como não-civilizado
    • Classe:
      - classes altas = civilizadas X classes empobrecidas, trabalhadoras = primitivas


    Bibliografia adicional (ver também a bibliografia específica da aula):  

    Sobre o grupo A Ponte:

    “A Ponte”. In: Dempsey, Amy. Estilos, escolas & movimentos. Guia enciclopédico da arte moderna. São Paulo: Cosac Naify, 2003, pp.74-77.

    Lendas, crenças e talismãs dos índios da Amazônia:
    DUCHARTRE, Pierre-Louis (adapt.); MONTEIRO, Vicente do Rego (ilust.). Legendes, croyances et talismans des indiens de l’amazone. Paris: Tolmer, 1923. 96p


  • AULA VIII – 26/09: Profa. convidada Patrícia Freitas: Realismos: “O Brasileiro” de Ernesto de Fiori e “Mogi das Cruzes” de Alfredo Volpi

    Ernesto De Fiori (1884 - 1945) - “O Brasileiro”, 1938

    • Faz parte de uma geração de artistas que, nos anos de 1930 e 1940, se envolveu com um grande projeto de construção da identidade nacional no Brasil: retomada da figuração, debate sobre relações entre arte e política;
    • De Fiori chegou ao Brasil em 1936, como um artista que já tinha uma carreira estabelecida.
    • Já vigoravam algumas ações importantes para a definição do que era a identidade brasileira;
    • Com o respaldo do Estado Novo, de Getúlio Vargas (instaurado em 1937), outras ações foram realizadas: criação do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), do qual a primeira ação foi tombar a cidade de Ouro Preto, nesse momento não por uma questão histórica, mas por ser o mundo do trabalho (exploração de minérios), valorização da ideia do trabalhador como o novo homem que vai construir o Brasil novo.
    • E ainda havia a circulação de ideias do Manifesto da Poesia pau-brasil (1924) e o Manifesto Antropofágico (1928), ambos de Oswald de Andrade e a busca dos primeiros modernistas por um Brasil “original, primitivo.
    • Obras de diversos artistas que começam a tentar buscar a expressão desse homem/mulher da terra, feitas por artistas brasileiros, em uma linguagem artística poética que fosse própria do país: Tarsila do Amaral, Vicente do Rego Moteiro, Anita Malfatti, Victor Brecheret, etc.

     

    1935, criação do Ministério da Educação e Saúde

    • Do concurso para a construção do edifício participam cerca de 20 arquitetos, vence Arquimedes Memória (arquiteto bem-conceituado no Rio de Janeiro), com características dentro do programa (valorização da cultura nacional, arquitetura racionalista; ele se referencia às formas marajoara, com linhas geométricas). Isso não é aceito por Capanema e seu grupo, que o acham pouco moderno. Capanema chama Lucio Costa, que constrói a partir de preceitos internacionais difundidos no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna.
    • Chama Le Corbusier, que dá uma série de palestras e presta consultoria.
    • Marcello Piacentini também vem, conversa com Capanema, mas no fim Le Corbusier é que é chamado. O modernismo de Piacentini era mais conservador, ligado aos regimes totalitários, com os quais Vargas se afinizava. Mas para a arquitetura pública, Capanema prefere Le Corbusier.
    • Cândido Portinari, visto como um artista engajado socialmente, é chamado para fazer a decoração em painéis com temas da nação.

     

    A escala monumental

    • O homem brasileiro: projeto especial de Gustavo Capanema para um ministério que formasse o homem novo – pesquisa a respeito do que seria o homem típico brasileiro, dificuldade de definição diante da miscigenação no Brasil.
    • Para “O homem brasileiro”, há um projeto de Celso Antonio de uma escultura monumental de homem sentado [foto].
    • Há um embate entre as correntes abstratas e figurativas. A arte monumental pressupõe um apelo coletivo, e não individual, o que é uma questão importante para os artistas dos anos 1930: a arte deve ser feita para a coletividade (seja na execução, no tema ou no suporte). Algumas correntes entendiam que só o figurativismo poderia dar essa dimensão coletiva e viam a abstração como expressão individual.
    • [foto] Walter Gropius, “Monumento aos caídos de Guerra”, escultura realizada em 1922 quando ocorre um golpe civil em Berlim na República de Weimar. Destruída pelos nazistas e reconstruída em 1946. Cemitério Histórico de Weimar. A obra é um símbolo da democracia e da liberdade e Gropius escolhe uma obra abstrata.
    • [foto] Mies van der Rohe, Monumento a Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht. É um muro de tijolos que brinca com retração e projeção, somente a estrela remete ao comunismo.
    • Esses artistas colocam que a arte não precisa ser necessariamente figurativa para ser social. Já passaram pelas vanguardas e agora querem construir o novo mundo.
    • [reprodução] Mario Sironi, A Itália Corporativa”, mosaico no prédio do jornal “Il Popolo dItalia, Milão 1936-37.
    • Há um debate em 1933 entre Le Corbusier e Sironi. Para Le Corbusier, o muralismo deve ser feito apenas de formas e cores, elas tem quem funcionar junto com a arquitetura. Já Sironi defende que só a tradição italiana – dos mosaicos, afrescos – pode falar com o público e ela deve, sim, ser figurativa, para atingir esse objetivo.
    • No pós-guerra, o discurso pró-democracia se fortalece e há um desejo de desvincular-se da pintura figurativa da qual os regimes totalitários tinham se apropriado.

     

    “Mogi das Cruzes”, Alfredo Volpi, 1939. Óleo s/ tela, 54,0 x 81,4 cm

    • Alfredo Volpi (1896 – 1988) nasce em Lucca, Itália. Vem para o Brasil com 2 anos de idade.
    • Considera-se um autodidata.
    • Mantendo-se próximo aos trabalhos com decoração, conheceu Zanini e Rebolo, e assim passou a frequentar os ateliês do Grupo Santa Helena;
    • Associa-se ao grupo Família Artística Paulista (com Aldo Bonadei, Rebolo Gonçalves, Fulvio Pennacchi, Clóvis Graciano, Paulo Rossi Osir, Mario Zanini, Anita Malfatti, Hugo Adami, Waldemar da Costa e Paulo Mendes de Almeida)

    Definição da Família Artística Paulista por Paulo Mendes de Almeida:

    A Família Artística Paulista é, por enquanto, um grupo de artistas plásticos. Sem qualquer preconceito de escola ou tendência, reuniu-os, contudo, uma certa afinidade que não se poderia expressar, como é óbvio, na semelhança de cores, formas ou volumes, mas nos princípios gerais que determinam o sentido das produções artísticas”.

    (Paulo Mendes de Almeida, Catálogo da I Exposição da FAP no Hotel Esplanada,
    em São Paulo, 1937)

    •  Em 1937, há a questão de o que é a arte moderna, nesse momento pós-vanguardas. É um momento de consolidação dessa arte.
    • Três exposições reuniram os artistas da Família Artística Paulista: em 1937, 1939 e 1941;
    • Começavam-se a construir mais sistematicamente alguns núcleos de espaços expositivos e, consequentemente, um incipiente mercado de artes mais formal em São Paulo – Galeria Domus (1947).
    • Se formam não por um alinhamento estético somente (como vimos nas vanguardas europeias), mas pela preocupação com o aprendizado, para buscar espaços expositivos que afirmem a arte moderna em São Paulo e para debater questões ideológicas. Juntavam-se para compartilhar custos de produção, de espaços de produção e exposição, etc.
    • A afirmação desses artistas passa pela escrita da crítica. É nos jornais que ela se coloca mais firmemente, debates, discussões.
    • Se unem também por afinidade de trabalho: arte e indústria
    • A reconexão com o público é uma preocupação do modernismo nesse momento.

    [Há um texto de Salvador Dalí, “O libelo contra a arte moderna”, no qual critica Picasso e o que ele considerava “feio” no moderno]

    Por outro lado, há o comentário de Mário de Andrade: 

    “Toda esta nossa forte e consanguínea Família Artística Paulista já sabe eruditamente pintar, mas ainda não aprendeu a coragem de ultrapassar a sabença e conquistar aquele trágico domínio da expressão pessoal, sem o qual não existe arte.”

    (Mario de Andrade, Esta Paulista Família, Estado de S. Paulo, 02/07/1939)

    •  Ou seja, o que eles fazem não é arte, é apenas um domínio técnico; eles são artesãos. Acompanha o embate arte X artesanato, no qual a técnica é passada de mestre para discípulo, na qual o valor é manter a tradição.

    O que caracteriza esse grupo:

    • Escolha pela figuração;
    • São artistas imigrantes;
    • Recorrência (sobretudo da crítica) aos artistas italianos ditos primitivos, do proto-renascimento italiano (Cimabue, Giotto);
    • Preocupação com a “técnica artesanal”, que vinha da aproximação desses artistas com a decoração - diferenciação entre artista e artesão (individualismo x coletividade);
    • Escolha do tema das paisagens dos arrabaldes (texto de Mario de Andrade):

    E a Família desandou a pintar que mais pintar os meigos arredores da cidade de São Paulo (…)
    E isso não porque esses temas fossem um modelo grátis e à mão (…), mas porque o subúrbio paulistano era o assunto proletárizavel por excelência. Por dois motivos instantes: 1o esses artistas vindos de camadas de recursos diminutos, trabucavam a semana inteira, mas tinham seu descanso dominical, proletário. Eles eram, na concepção mais humana e trabalhista da expressão, os legítimos peintres de dimanche’. Tanto mais que a pintura é que era para eles o principal, a sua verdade, e não um passatempo, um hobby. Para eles a paisagem era dominical. E Tremembé, Mogi das Cruzes, Embu, São Caetano, Santo André, Santos e Meu Deus! até Itanhaem se tornaram o assunto obrigatório, o significado profundo desses homens que trabalhavam a semana inteira, mas que viviam nos domingos. 2o, sim, mas dentro dessa geografia paisagística, que temas escolhiam esses artistas, numa aparência de escolha e liberdade? Escolhiam dominantemente e sugestivamente, as casinhas operárias arrabaldeiras, as chacrinhas operárias suburbanas, que enchem os nossos arredores e lhes dão um sentimento agradável, talvez enganoso, de bom nível de vida proletária. Na verdade, o que esses arredores paulistanos significavam para esses artistas (…) era a confissão de classe: a aspiração à pequena propriedade.”

    (Mario de Andrade, Ensaio sobre Clóvis Graciano, 1944)

    • Imagens Aldo Bonadei e Francisco Rebolo: outros dois subúrbios.
    • São trabalhadores que, no seu descanso, vão para os subúrbios da cidade e pintam.
    • Explica essa escolha por essas paisagens e acaba definindo uma série de vocabulários com o qual eles eram identificados – “artista proletário, suburbano.
    • Essa crítica que está se formando em SP começa a basear-se na leitura sociológica da obra e do artista, mais do que a leitura “formal.
    • O papel desses artistas ligados às artes decorativas será fundamental.
    • As definições de artista autodidata, artista artesão, são visões que reforçam uma ideia de que suas paisagens serviram como estudo para o que seria o ápice de sua carreira, quando o artista aderiu à geometrização das formas.


    Segue abaixo o link para download do exercício de leitura.

  • AULA IX – 03/10: Surrealismo, pintura metafísica e suas apropriações: “Enigma de um dia” de Giorgio de Chirico e “Figura” de Ismael Nery


    Na galeria

    “O Enigma de um Dia”, De Chirico, 1914, óleo sobre tela, 83 x 130 cm

    • Essa obra pertenceu à coleção de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral.

    • É uma cena estranha. Bem no centro, a estátua totalmente chapada de preto, prostrada, apoiada numa bengala.

    • É diferente o tratamento de cor dessa estátua e do céu, das torres.

    • Há um contraste entre estes elementos: as arcadas e a estátua colocada entre elas remetem à tradição clássica da arte (greco-romana); a torre mais larga lembra uma fortaleza medieval; a outra torre é uma chaminé que indica a era industrial, assim como a locomotiva.

    • Essa obra é do período daquilo que Guillaume Apollinaire chamou de Pintura Metafísica de De Chirico, anterior à Scuola Metafisica, criada por De Chirico, seu irmão, Alberto Savinio e Carlo Carrà (1917-18)

    • Nesse momento ele está em Paris; algumas obras serão apresentadas no Salão de Outono, pouco antes Primeira Guerra.

    • Duas coisas marcam a volta de De Chirico à Itália. Uma é a redescoberta de Turim, cidade industrial, na qual há a presença maciça desses pórticos nas praças e pontes. A outra é a descoberta de Nietzsche, filósofo também ligado à cidade de Turim (ele descrevera a cidade em alguns textos).

    • Essas composições ficaram conhecidas como "praças da Itália" (piazze d’Italia).

    • De Chirico era representado por Léonce Rosenberg, importante galerista de Paris que promoveu o grupo que ficou conhecido como “os italianos de Paris”.

    • Nos anos 1930, De Chirico era conhecido e apreciado pelo mercado da arte principalmente por suas séries de gladiadores. Após a Segunda Guerra, esse tema não interessa mais, e o artista passa a ser promovido com essas obras chamadas de metafísicas.

    • Importante: os contornos pretos e as superfícies chapadas parecem reforçar o efeito estático, em contraste com a locomotiva e as bandeirinhas.

    • Esses artistas estão tentando entender o que é tornar-se moderno no contexto italiano, já que têm de lidar com uma cultura milenar.


    “Figura”, Ismael Nery, c. 1927/1928 óleo s/ tela, 105 x 69,2 cm

    • Ismael Nery nasceu em Belém (PA) e, embora tenha crescido no Rio de Janeiro, não estava no círculo dos artistas dos ambientes paulista e carioca.

    • Aqui trata-se de uma figura com várias dualidades: o masculino e o feminino, a figura de lado e de frente, um braço que parece um estudo anatômico dos músculos e o outro uma radiografia dos ossos. Ela está grávida ou não?

    • A gravidez remete à condição humana, a passagem do nascimento à morte. Podemos pensar na iconografia das três idades do homem, comum na tradição clássica da arte, mas representado em uma linguagem moderna.

    • A representação dos pelos pubianos foge da representação idealizada do corpo feminino nu, sexualizando-o, aproximando-se, assim, das poéticas de pintura moderna, de contraposição com a tradição clássica/acadêmica da arte.

    • Essa obra foi adquirida pelo MAC em 1966. O prof. Walter Zanini é conhecido por ter atualizado a coleção do MAC trazendo novas práticas artísticas recentes, ao mesmo tempo em que teve papel fundamental na revisão do modernismo brasileiro: resgatou as obras de Ismael Nery e realizou exposições e o catálogo, dando visibilidade ao artista que, até então, era praticamente desconhecido. O catálogo é uma documentação da obra do artista.

    • Nos anos 1927/1928, o artista está convivendo com o ambiente surrealista na França.

    • Jorge de Lima, artista e poeta, tem uma relação estreita com Ismael Nery. Faz colagens, fotomontagens. Dialogam bastante.

    • É um artista para o qual a tradição clássica é importante, mas longe da ideia de identidade nacional que se estava construindo.



    Na sala de aula

    De Chirico

    • As obras de De Chirico desses anos exerceram muita influência sobre o movimento surrealista, no qual os artistas se aproximam das ideias de Freud sobre o inconsciente. André Breton era colecionador de arte do inconsciente. É ainda Breton que entende De Chirico como uma espécie de precursor da pintura surrealista.

    • Ele vai a Turim e a cidade causa-lhe um grande impacto. É uma cidade particular da Itália, é uma cidade planejada, cheia de pórticos e praças abertas. Essa descoberta de Turim coincide com a descoberta dos textos de Nietzsche (“Ecce homo”, a figura prostrada remete à ideia de figura apresentada pronta para ser aniquilada). A figura da estátua é associada ao herói da Unificação italiana, Camillo Cavour.

    • A partir da mostra de 1949 no MoMA, “Twentieth Century Italian Art”, essa fase De Chirico passa a ser muito apreciada.
      IMAGEM: Giorgio de Chirico, “Nostalgia do infinito”, 1913-14, óleo/tela, MoMA, apresentado nessa exposição.

    • É um artista que viveu e produziu muito, até os anos 1970.

    • Oswald e Tarsila compram a obra de Paul Guillaume em 1928 em Paris. Com a crise de 1929, as famílias passam por dificuldades e eles vendem a obra para um colecionador do Rio de Janeiro. Durante os preparativos para as comemorações do IV Centenário de São Paulo, em 1954, Ciccillo Matarazzo se desentende com o prefeito da cidade e se demite da presidência da comissão de organização. Oswald e Tarsila, em apoio a ele, organizam uma adesão para comprar o quadro e o dá-lo de presente a Ciccillo, que imediatamente doa a obra ao antigo MAM.

    [Citação texto “Sobre a arte metafísica” de De Chirico. CHIPP, Herschel Browning. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1988]

    • Tem uma imagem de sonho na construção dessas figuras.

    • Na pintura de Arnold Böcklin, “Ulisses e Calipso” (1882, óleo/madeira, Kunstmuseum,  Basileia) há uma provável citação para o Enigma.

    • Num momento em que o futurismo quer exaltar a máquina e o movimento, De Chirico parece ir na direção contrária.

    • Esse tipo de pintura terá uma reverberação na obra de outros pintores – caso de Sironi nas “periferias” – e também na arquitetura – como o Coliseu quadrado construído em 1942, por encomenda de Mussolini, para a Exposição Universal de Roma (que acaba não acontecendo).

    • O MoMA tem uma versão próxima à nossa obra: “Enigma de um dia I”, 1914, óleo/tela, coleção de James Thrall Soby.


    Relação com o fascismo

    • Esse tipo de pintura não é aquele que virá a ser promovido como a arte moderna italiana pelo fascismo, mas De Chirico servirá muito ao discurso nacionalista.

    • Texto Gladiadores, ele compõe uma série que virá a ter muito sucesso no meio artístico, sobretudo entre colecionadores dos anos 1930/40.

    • Com a exposição no MoMA de 1949, “Twentieth Century Italian Art”, havia o desejo de reabilitar a Itália no mercado de arte. Mas qual arte? Certamente não aquela promovida pelo fascismo. Para distanciar-se da memória do Regime, há o desejo de promover a arte italiana vinculada aos movimentos de vanguarda pré Primeira Guerra: a pintura metafísica de De Chirico, o futurismo de Boccioni, a pintura de Modigliani.

    • Ver trecho tese Mariana Karina Ribeiro da Unicamp sobre De Chirico.


    Ismael Nery

    • Convivência com surrealismo

    • Tese Thiago Gil Virava (2014) sobre a recepção do surrealismo no Brasil, a partir das obras dos artistas.

    • Há uma ambiguidade das figuras. A nossa é uma figura dupla. Ismael Nery é um artista muito interessado em medicina.

    • IMAGENS: Ismael Nery, “Estátuas vivas”, 1931, óleo/cartão, coleção particular e “Figura com cubos”, s.d., óleo/tela, coleção particular.


    Bibliografia complementar (consultar também a bibliografia específica da aula):

    http://www.macvirtual.usp.br/mac/templates/projetos/roteiro/PDF/18.pdf



  • AULA X – 10/10: Profa. convidada Patrícia Freitas: Modernismo no pós-guerra: “Figura” de Picasso e álbum São Paulo antiga de Vittorio Gobbis

    Na galeria

    Vittorio Gobbis, “Album São Paulo Antigo, 1954. Litografia sobre papel (colorido à mão).

    • É um álbum, uma série.
    • Preocupação documental com o registro das paisagens. Há elementos urbanos e rurais.
    • Período de recuperação desses paisagens por causa do quarto Centenário.
    • Gobbis está engajado no processo de comemoração. São feitos vários eventos.
    • Começa se a encaixar uma segunda geração do modernismo que quer trabalhar a memória de São Paulo mas numa escala nacional, isto é, consolidar uma nova ideia de nação a partir da cidade de São Paulo.
    • Em 1951, acontece a primeira Bienal de São Paulo, que é de caráter internacional, num momento em que no exterior começa-se a discutir a relação com a abstração, que passa a ser valorizada também como forma de distanciar a arte la legitimação dos regimes totalitários. No Brasil, os artistas se importam com questões locais, com a memória nacional.
    • A partir da I Bienal a crítica cria espaços de debates sobre a pesquisa artística.
    • Esses artistas se viam como modernos, mas não na mesma chave das vanguardas, isto é, como uma estética de ruptura. Eles consideravam moderno o resgate à memória, como algo importante para a arte do seu próprio tempo. É o caso de Volpi, Rebolo, Paulo Rossi Osir. Esssa maneira de ver a arte moderna está alinhada com o movimento do Retorno à Ordem da Europa.
    • Gobbis participava tanto da SPAM (Sociedade Pró-Arte Moderna, financiada pela elite paulistana, mais conservadora) quanto do CAM (Clube de Artistas Modernos, declaradamente político).

     

    Pablo Picasso, “Figuras”, 1945, óleo sobre tela

    • Essa obra é muito posterior à Demoiselles d’Avignon (1907), considerada aquela que inaugurou o Cubismo.
    • Nesse momento Picasso já está pensando em outras coisas. É pós-Guernica, e de Guernica identificamos que adotou alguns elementos:
      - as cores preto e branco: Guernica não era para ser p/b. Foi encomendada a Picasso uma obra para o pavilhão da Espanha na Exposição Universal. O bombardeio tinha acabado de acontecer na cidade de Guernica, uma cidade civil sem importância militar, e exterminou a cidade.
      - a partir dos estudos para Guernica podemos observar dualidades como luz/sombra, preto/branco; o olho bem marcado.
    • A figura não é um tema novo para ele, mas está trabalhada de outra forma a partir desse momento.
    • O nome dessa obra é “Figuras”, no plural, diferente daquela de Ismael Nery, “Figura”. Faz pensar que trata-se, de fato, de duas figuras e não de dois lados de uma mesma figura. O chapéu parece ser um elemento de diferenciação para evidenciar isso.
    • Pode-se pensar que Picasso não esteja preocupado com a subjetividade dessas figuras, como é o caso de Nery.

     

    Na sala de aula

    Gobbis

    • As experiências entre os anos 30 e 40 serão um preâmbulo para a consolidação da arte moderna, dentro de uma poética brasileira, nos anos 1950.
    • Alguns artistas estavam muito interessados no registro do processo de urbanização da cidade, de forma similar aos artistas viajantes da chamada Missão Artística Francesa no início do século XIX.
    • Um artista que participa desse processo é Benedito Calixto, um artista pouco estudado, por seu caráter dito “acadêmico”.
    • Essa obra do Gobbis se alimenta desse acervo documental, para atualizar a linguagem daquilo que representava essa paisagem paulista. A forma de atualizá-la era a técnica (uso da litografia, técnica do século XX). E a ideia de álbum.
    • Por que o tema colonial no IV Centenário?
      - O tema colonial é importante para a cultura dos anos 50, porque localiza a memória paulista como algo de importância nacional.
      - O bandeirante é uma figura que representa o pioneirismo voltado para o progresso. Daquele que alcança o sucesso e o progresso através do seu trabalho.

     

    “Bandeirantes”, Clóvis Graciano, 1952/53, óleo e cera sobre parede. Edifício Hotel Jaraguá, antiga sede do jornal O Estado de S. Paulo (centro). Arquivo Adolf Franz Heep e Jacques Pillon

    • Clóvis Graciano, artista já consagrado nesse momento, escolhe o tema do Bandeirante como a figura importante para a construção do país.
    • Os trabalhadores que, de fato, construíram a cidade são relegados a segundo plano.
    • Esse mural foi encomendado pela família Mesquita, do grupo do Estado de São Paulo.
    • Representa a ideia do homem trabalhador, que constrói pioneiramente o seu futuro.

     

    “Bandeirantes”, Cândido Portinari, 1951, pastilhas vítricas. Restaurante do Hotel Comodoro.

    • Os grandes muralistas da arte no Brasil foram Di Cavalcanti, Portinari e Clóvis Graciano.
    • Esses artistas começam a se tornar interlocutores da memória.
    • (Clóvis Graciano tinha muitas atividades ligada à decoração)

     

    Filme “São Paulo em Festa”, de Lima Barreto, Vera Cruz, 1954.

    • Lima Barreto consultou Afonso d'Escragnolle Taunay, que pautou diversas cenas, deu várias indicações sobre como deveriam ser feitas.
    • O lema é “crescer construindo a nação”.
    • É um filme moderno: nos recortes de câmera, na exibição dos números, etc.
    • “A grande missa” de Vitor Meirelles, foi inspiração para a cena do padre.
    • É nesse momento que se cria essa identidade, da ligação do passado colonial com o trabalho. É uma identidade que se consolida de tal forma que dura até hoje.
    • Link para assistir: https://www.youtube.com/watch?v=VIQV-4W-clk

     

    Mural sem título (A imprensa), Emiliano Di Cavalcanti, c.1952, mosaico de pastilhas vítricas sobre parede.

    • Situada no lado de fora do prédio do Estado de São Paulo (que dentro abriga o mural de Clóvis Graciano), representando a Imprensa, isto é, a atividade realizada no interior do prédio.
    • Essas obras formam uma dualidade – entre o passado colonial e o trabalho no tempo contemporâneo – para a construção de uma nova identidade nacional ligada ao trabalho e ao progresso.
    • Os artistas são agentes de construção dessa identidade, do seu tempo.
    •  Texto: São Paulo agora é uma metrópole.
    • Isso é importante para entender como a obra do Gobbis está intimamente ligada às comemorações do IV Centenário.

     

    Picasso

    • “Busto e paleta”, Picasso, 1925. Óleo sobre tela. Museu Espanhol de Arte Contemporânea.
    • Demonstra que ele já trabalhava com esses contrastes há algum tempo.
    • “Guernica”, Picasso, 1937, óleo sobre tela. Museu Reina Sofia, Madri.
    • Um dos pontos de partida importantes para o estudo da Guernica é “3 de maio” de Goya (“3 de maio, 1808 em Madri”, 1814-15, óleo sobre tela. Museu do Prado), que retrata o momento em que as tropas napoleônicas invadem a Espanha.
    • Desenhos de Picasso: vemos elementos que podemos identificar na obra do MAC: Picasso, “Cabeça chorando (IV). Pós-escrito de Guernica” (1937, desenho sobre papel, Museu Reina Sofia) e “Jovem menina com cabelos compridos” (1945, litografia, MoMA).

     

    Considerações finais

    • “Guerra e Paz”, Portinari (1952-1956, ONU, Nova York): o modernismo pós-segunda guerra assume essas dualidades que vão se desdobrar em outras, como abstração x figuração, liberdade x opressão, grande formato x pintura de cavalete.
    • Nesse momento, no Brasil, há uma ressignificação da memória, das narrativas sobre a identidade nacional e da monumentalidade;
    • Vemos nesse período um renovado interesse pela figura humana – informado pelos horrores da guerra;
    • Há uma valorização de ideias como liberdade e democracia – relação entre figuração e abstração.
    • Em São Paulo, modernismo dos anos de 1940 e 1950 em São Paulo:
      - Comemoração do IV Centenário;
      - Resgate da história colonial;
      - Ligação com a ideia de trabalho e progresso.
    • O projeto desses artistas foi social, mas foi apropriado pelas elites, que foi quem de fato financiou esses projetos.

  • AULA XI – 17/10: A circulação da arte moderna: “A dança do capital com a morte” de Emiliano di Cavalcanti e “A bestialidade avança” de George Grosz


    Na galeria

    “A dança do capital com a morte”, Emiliano di Cavalcanti, nanquim sobre papel, 1950

    • Sua primeira atividade ligada ao campo da arte: como ilustrador e chargista.

    • Nessa charge, de 1950, temos vários elementos interessantes. São figuras alegóricas: a Morte e o Capital. Quando falamos em alegoria em história da arte, temos uma ideia precisa que foi construída pelos artistas.
      [Cesare Ripa publicou em 1603 um dicionário de alegorias que servia de guia para os artistas na representação de conceitos abstratos, antropomorfizados - por ex., a morte, a justiça, a liberdade etc]

    • Aqui a figura da Morte é feminina, usa saltos altos, chapéu, é uma figura elegante. De certa maneira o artista atualiza essa figura para esse sentido contemporâneo.

    • O Capital é um homem rico com roupa de gala, fraque e cartola, uma figura que existe pelo menos desde a tradição das caricaturas do séc. XIX, por exemplo de Daumier; aparece em Degas, Toulouse-Lautrec. Além disso, é uma figura “gordinha”: é um usurpador.

    • E o artista dá às figuras atributos bem claros: associa o Capital aos regimes totalitários ao colocar os símbolos desses regimes na roupa do personagem.

    • No fim dos anos 1940, havia debates na França e Itália sobre a liberdade do artista. Breton, Rivera e Trotsky já haviam escrito sobre ela no “Manifesto: por uma arte revolucionária livre” (1938)

    • Léon Degand chega ao Brasil no momento daqueles debates, em 1948. Profere três conferências em São Paulo. Realiza a mostra “Do Figurativismo e Abstracionismo” (mostra inaugural do MAM de SP, em 1949), pela qual é criticado por Di Cavalcanti num artigo para a revista Fundamentos, que defende que a arte só tem valor na sua dimensão humanista e, por isso, deve ser figurativa.

    • A outra vertente diz que formas de expressão abstratas refletem uma universalidade e igualdade entre os indivíduos. Paralelamente a elas, existe a defesa do abstracionismo como linguagem universal como manifestação das liberdade individuais; esse pensamento é utilizado pelos atores da Guerra Fria.

    • Durante a Revolução Russa (1917), a Coleção Tchouchkine é estatizada. Trotsky diz que nada é mais próximo da revolução russa do que a obra de Matisse e Picasso (Também no “Manifesto: por uma arte revolucionária livre”).

    • Podemos sugerir uma aproximação de Di Cavalcanti aos artistas da Nova Objetividade alemã. A crítica ácida é recorrente no trabalho desses artistas, além de certas formas de expressão que aproximam a linguagem de Di Cavalcanti à desses artistas. É uma vertente que nunca se aproximou muito do Brasil, mas circulou por aqui, principalmente por meio das atividades, talvez, dos movimentos anti-fascistas no Brasil.  

    • Pelos outros desenhos presentes na mesma vitrine, vemos que Di Cavalcanti é um artista versátil, cujo engajamento com certas causas foi obliterado por essa necessidade de uma linguagem brasileira.

    [No Museu Lasar Segall estão em curso pesquisas sobre a repercussão da Mostra de Arte Degenerada no Brasil. A Galeria Askanazi realizou uma mostra de arte degenerada, mas no sentido positivo.]

    [Filme “São Paulo, A sinfonia da metrópole”. Dirigida pelos cineastas húngaros Rudolf Rex Lustig e Adalberto Kemeny, 1929

    ]


    “A bestialidade avança”, George Grosz, 1933, aquarela s/ papel, 66,5 x 48,3 cm

    • Essa paleta é recorrente no pintor para as obras de sua primeira fase ao chegar nos EUA, em 1933/34. É aquarelista e ilustrador.

    • O tracejamento muito solto faz pensar em uma paisagem tempestuosa. Trata-se de uma figura de costas pisoteando o que está embaixo, como uma espécie de grande gigante. É parecido com Di Cavalcanti nesse sentido.

    • Enquanto soldado de fronte, Grosz fez uma série de obras ligadas a essas cenas. Portanto, a cena da imagem traz uma experiência pessoal.

    • Nos EUA, Grosz colabora com a Arts Association of America, galeria para promoção da arte moderna e sua democratização. Lá, produz aquarelas para fazer litografias, de forma que qualquer pessoa pudesse ter uma obra em casa.

    • Essa obra é uma das 14 obras da doação que Nelson Rockefeller fez ao Brasil, em 1946, para a criação do futuro museu de arte moderna.



    Na sala de aula

    Di Cavalcanti

    • Não foi apenas pintor, mas trabalhou também como chargista, caricaturista, jornalista.

    • Em 1933, ele publicou um álbum que se aproxima à temática de Dança do Capital com a Morte na linguagem pictórica, no uso de alegorias e no processo técnico (aquarela/nanquim para litografia).


    George Grosz

    • “Paisagem apocalíptica”, 1936, aquarela e nanquim/papel, aprox. 43 x 61 cm, Ulrich Museum of Art at Wichita State University.
      - Aqui não temos uma figura ou alegoria, mas o artista usa da mesma forma a paleta de cores, o tracejamento, para criar essa paisagem de caos, como se fossem grandes explosões.

    • Essas são as imagens parecem remeter ao que os soldados do fronte vivenciaram na Primeira Guerra.

    • A aquarela, no séc. XIX, era um meio técnico usado pelos pintores para fazer notações pictóricas rápidas, principalmente da paisagem idílica, pitoresca. Aqui ele usa essa mesma técnica, mas dá um tom oposto.

    • Em 1935, Grosz realiza as ilustrações do livro The voice of the city, de O. Henry. São cenas urbanas em que ele usa a mesma paleta de cores de “A bestialidade avança”, o mesmo estilo de desenho. Ele faz os originais em aquarela, traduzidos para litografia. Ele só trabalha com aquarela nesse período.
      https://www.moma.org/s/ge/collection_ge/objbyppib/objbyppib_ppib-14_sov_page-43.html

    • O parque gráfico alemão vinha se desenvolvendo desde o séc. XIX e serviu de referência para os outros países da Europa. Grosz vinha desse ambiente, criado nesse contexto.

    • Da vitrine do Di Cavalcanti, é importante entender que os artistas modernistas não fazem distinção entre artes e ofícios. Eles entendem os meios de comunicação como forma de difusão do seu trabalho, para fazerem-se conhecer pelo grande público. Não há um valor menor dessas artes aplicadas para os artistas. É um conceito já lançado pelos artistas da Bauhaus, do movimento Arts and Crafts, isto é, de uma formação mais ampla das técnicas e materiais, diferente da Academia tradicional.

    • Nos anos 1930, surgem editorias de arte como forma de democratização – revistas modernistas.

    • No Brasil, temos a revista O Cruzeiro, na qual falava-se sobre os artistas, seus modos de produção, exibiam fotos do artista em seu ateliê etc.


    Bibliografia complementar (consultar também a bibliografia específica da aula):

    Breton, André; Trotsky, Leon. “Manifesto: por uma arte revolucionária livre”, outubro de 1938. In: CHIPP, H. B. Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1988.



  • AULA XII – 24/10: Abstração geométrica nos anos 1950: “Unidade tripartida” de Max Bill e “Plano em superfícies moduladas n. 2” de Lygia Clark

    Na galeria

    “Unidade tripartida”, Max Bill, 1948/49, aço inoxidável, 114,0 x 88,3 x 98,2 cm

    • Esta obra recebeu o primeiro prêmio de escultura na Primeira Bienal de São Paulo, em 1951.
    • A “Unidade tripartida” é produto das experiências que iriam se consolidar no trabalho de Max Bill. Vemos experiências de grupos de artistas de arte concreta desde os anos 30.
    • Bill tem papel importante como ativista político: passagem dos artistas na Suíça na Segunda Guerra.
    • Não era um artista de destaque, até ganhar projeção internacional a partir da exposição que o Masp fez sobre ele, que também é sua primeiríssima individual, em 1951.
    • Essa obra foi feita para essa exposição.
    • A ideia era ela ser uma mostra itinerante pela América do Sul, mas isso não acontece.
    • Essa peça era a maior de todas. É pesada e difícil de transportar. Foi produzida na Suíça e trazida para o Brasil.
    • Decide-se que ela será exposta na primeira Bienal de São Paulo, o que causa um certo problema com a delegação Suíça porque ele não era um artista previsto no programa.

    Tudo isso mostra como questões circunstanciais influenciam a proveniência e a história de uma obra. A chegada dessas obras ao Brasil não encontram uma defesa clara dessas proposições artísticas. Nem sempre as obras têm uma adesão automática da crítica brasileira e internacional.

    • Essa peça acaba sendo muito importante na carreira dele. É um material que não é próprio para escultura (aço inoxidável), ele tem que negociar com a indústria metalúrgica. Discurso importante para a relação entre arte e indústria.
    • Vem descrita como aço inoxidável, mas não sabemos bem que liga metálica é essa. Essa investigação é complexa, seria necessário tirar uma amostra, ou recorrer a técnicas que, de qualquer forma, não estão disponíveis em São Paulo.
    • Do ponto de vista da forma, ela explora o conceito matemático de Moebius, isto é, a famosa fita de Moebius que em seu desdobrar mostra a capacidade de infinitude na finitude da fita. Dessa fita, Bill propõe um desenvolvimento geométrico da forma no espaço.
    • Portanto, matemática e indústria compõem para ele essa nova arte.
    • Talvez seja nessa fase que ele inaugure uma investigação em escultura (até então, ele era mais conhecido como pintor).
    • A partir dos anos 1960, ele ficará conhecido como escultor de obras para espaços públicos. Ele projeta os edifícios da escola de Ulm em 1955.
    • Distinção desenho industrial e artes: para ele, isso era uma expressão artística, mais do que de design.
    • É a partir dos anos 1950 que vemos a aceleração dos parques industriais brasileiros; comparado à Europa, estávamos engatinhando. Seria impossível produzir essa obra no Brasil, naquele momento.
    • Incomoda a Max Bill o fato de que a arte monumental no Brasil seja toda figurativa. Naqueles anos, vemos surgirem algumas experiências de murais abstratos. O que caracteriza a experiência modernista é que se pensa um projeto para além da arte, que penetre na esfera da vida. Inicialmente, a abstração surge como negação do que havia sido feito na Segunda Guerra.
    • Depois desse primeiro momento, a abstração adquire um valor positivo. A obra de Bill e de outros artistas começa a ser analisada de um ponto de vista formal, da arte que se dá de forma autônoma, desvinculando-a da política.

     

    “Plano em Superfícies Moduladas n. 2”, Lygia Clark, 1956, tinta industrial sobre celotex, madeira e nulac, 90,1 x 75

    • Lygia tinha que usar tintas de marcas diferentes para suas obras. No caso das tintas industriais, cada marca fabricava uma cor.
    • O suporte de compensado é muito problemático do ponto de vista da conservação.
    • Tem uma relação importante da promoção desses artistas para a imagem de modernidade do país. Eles eram retratados em jornais e revistas, com fotos em seus ateliês.
    • Através da composição, do estudo do espaço, de cálculos matemáticos, da aplicação de módulos, cria o efeito de continuidade do plano pictórico.
    • Para os concretos é importante o espaço vazio na obra. O espaço não preenchido faz parte da obra.
    • São ideias que têm sua origem nos textos de Malevitch sobre as teorias do Suprematismo; nos textos de Mondrian sobre o Neoplasticismo; em “Ponto e linha sobre plano” de Kandinsky. O desejo desses artistas é essencializar tudo: cores essenciais, formas essenciais, linha e ponto.
    • Isso tudo atravessa o debate em torno das experiências de abstração. Por que “arte concreta”? Porque a ideia de concreto tem a ver com a ideia de verdade e a ideia de essência da obra. Ver textos de Theo van Doesburg, sobretudo, que é para os artistas dos anos 1930 em diante, a referência mais imediata.
    • Lygia Clark tinha uma certa preocupação didática, com o sensível.

     

    Observação de outros artistas

    • “Composição n.99”, Friedrich Vordemberg-Gildewart, 1935, óleo sobre tela
    • “Triângulos opostos pelo vértice, retângulo, quadrados, barras”, Sophie Taeuber-Arp, 1931, óleo sobre tela
    • Sem título, César Domela, 1942, madeira, metal e acrílico
    • Essas obras se diferem daquelas de Max Bill e Lygia Clark principalmente do ponto de vista da produção e do uso dos materiais: as duas primeiras são pinturas; a terceira, embora use materiais diversos, é de pequena dimensão. Esses três artistas estão trabalhando dentro do próprio ateliê, enquanto Lygia Clark e Bill tinham que recorrer a processos industriais para realizar suas obras. Os três primeiros produzem a própria obra do início ao fim do processo, diferentemente dos dois últimos. Entra o conceito do artista que concebe a obra mas não a executa.

    Mostra da Getty Foundation sobre a conservação de Arte concreta. Artistas brasileiros e argentinos para estudar a materialidade das obras:
    http://www.getty.edu/art/exhibitions/cisneros/

     

    Na sala de aula

    Max Bill

    • Capa e cartaz da I Bienal de São Paulo, 1951: contraposição de duas vertentes abstratas. Uma apela para formas mais líricas e outra formas mais geométricas.
    • Foto MAM: entre 58 e 59 ele está instalado no térreo do pavilhão da Bienal. Quando acontece a doação para a universidade (MAC USP), as obras passam para o 3o andar.
    • Essa foto privilegia as experiências em abstração e principalmente a obra de Bill.
    • Havia dois tipos de premiação na Bienal: prêmio regulamentar e prêmio aquisição. No primeiro caso, não era obrigatória a doação da obra ao museu. O segundo era pensado, de fato, para compor o acervo.
    • Foto Sala Alemanha, Bienal de 1957: em primeiro plano, outra escultura de Max Bil; a foto tem a mesma composição da primeira foto que vimos.
    • Mostra Max Bill na Fundación Juan March, Madri, 2015. Outros objetos feitos em cima da fita de Moebius. As pinturas nas paredes são muito coloridas.
    • El Lissitzky: Mostra dadá em Berlim, 1923. Ele trabalha com formas geométricas planas monocromáticas, com as quais ele cria um espaço tridimensional, que de certa forma reverberam na obra de Lygia.
    • Malevitch: Mostras históricas sobre abstração geométrica; statement do artista substitui o espaço do ícone bizantino.
    • El Lissitzky, Galeria de Arte Moderna para o Landesmuseum de Hanover, reconstrução do original de 1926-1927. Proposições artísticas que provavelmente inspiraram Alfred Barr para a estabelecer os modos de expografia que o MoMA vai adotar.

      

    Lygia Clark

    • Série dos “Bichos”: o “Bicho” era composto de placas de alumínio nas quais ela insere dobradiças para fazer que o objeto se mova, para que o público a manipulasse.
    • A questão da manipulação desses objetos é muito importante. Hoje, para fins de preservação, os espaços expositivos exibem o “Bicho” protegidos em vitrines, como outro objeto artístico qualquer. Acaba tornando-se uma questão a ser resolvida pela curadoria. Alguns já optaram por criar uma réplica.

  • 31/10: Visita à Galeria da Reitoria

  • 07/11: Visita à Pinacoteca

  • AULA XIII – 14/11: Informalismos: “Cabeça trágica” de Karel Appel e “Composição” de Pierre Soulages

    Na galeria

    Karel Appel, “Cabeça trágica”, 1957

    • Há uma diferença entre o Abstracionismo Informal ou Informalismo e o Expressionismo Abstrato americano.
    • Esses artistas buscam se libertar do pincel. Appel esvazia toda a bisnaga na tela. Não estão preocupados em mostrar algo que será interpretado por eles graficamente, mas mostrar algo do mundo.
    • Voltam-se para a busca da essência da arte, imaculada, aquela que não foi transformada pelo homem. Manipulam a matéria para que se apresente de forma bruta. 
    • A espontaneidade e a autenticidade são os valores desses artistas.
    • É diferente do abstracionismo geométrico, mais racional.
    • Essa geração de artistas volta a dialogar com as vanguardas do início do século, sobretudo a pintura de Van Gogh, o Surrealismo, o Neoplasticismo.
    • Appel, como holandês, dialoga com Mondrian, com o movimento De Stijl, que trabalham a geometria na sua forma pura, a linha o ponto.
    • E buscam a ideia de universalidade, que será um valor importante no pós-guerra de uma forma geral e, no Brasil, para Lourival Gomes Machado, que organizou a 5ª Bienal de São Paulo em 1959.
    • Nessa edição, essa obra ganhou o prêmio de aquisição.
    • Appel, de 1948 a 1952 está em Paris, onde forma o grupo CoBrA com artistas de Copenhague, Bruxelas e Amsterdã, cidades que formam o nome do grupo.
    • Termo “informal” = “sem forma”. Mas o fato de ser informal não significa que não tenha uma estrutura. Há uma figura e um fundo, por exemplo.

     

    Pierre Soulages, “Composição”, 1959

    • Fez muitas pesquisas com o preto; pinta a tela de preto, deixando algumas porções sem pintar. Depois passou a pesquisar o efeito de refração da luz sobre as camadas totalmente cobertas de tinta preta.
    • Esse movimento foi chamado de “tachismo” (do francês tâche = mancha). Lembremos que essas nomenclaturas são dadas pelos críticos e não devem se reduzir a classificações que incluem alguns artistas e excluem outros.
    • Soulages também experimentava utilizar outros instrumentos que não o pincel.


    Na sala de aula

    Karel Appel

    • Abstracionismo informal: novas tendências da arte abstrata no pós-guerra.
    • Busca por uma arte intuitiva, que estivesse em correlação com as ideias de liberdade e democracia; descoberta da arte rupestre; revalorização do autodidatismo e da arte do inconsciente, de crianças e internos de hospitais psiquiátricos.
    • Relação desses artistas com a Guerra: conforme diminuía a liberdade nestes países (Holanda, Dinamarca e Bélgica), a população desenvolvia formas de resistência, principalmente através do resgate das tradições nacionais. Nas artes, a busca pela arte primitiva e a tentativa de encontrar a origem da criatividade humana, que marcariam o Grupo Experimental Holandês, a Jovem Pintura Belga, o Grupo Experimental Dinamarquês e o Grupo CoBrA, tornaram-se cada vez mais frequentes.
    • Jean Fautrier, “Reféns”, 1942. Tapiè designa essas séries como “informais”, por estarem fora de qualquer teoria da forma tradicionalmente conhecida na cultura artística ocidental
    • Jean Bazaine, “Árvores à beira d’água”, 1944. Massas de cores dentro dos limites da forma.
    • Grupo CoBrA: Criado como resposta à destruição e a desumanidade da guerra, o CoBrA procura retomar os valores humanos básicos. As iniciais de Copenhague, Bruxelas e Amsterdã formam a palavra que tem como referência a ideia bíblica da serpente como um ser que corrompe, ao mesmo tempo que inicia a humanidade.
    • Símbolo da abertura do pós-guerra, o grupo constitui uma releitura histórica das culturas nacionais, a medida que estas devem estar ligadas ao contexto internacional.
    • Uma nova proposta, que junta a doutrina marxista e a arte em um projeto utópico. A geração de artistas nórdicos que começa a aparecer por volta dos anos 50 se sente marginalizada diante do restante da Europa. Sua cultura é constantemente vista como periférica, especialmente pelo centro artístico de Paris. Esta sensação de exclusão leva a formação de grupos como Jovem Pintura Belga e Grupo experimental, ambos participantes do CoBrA, onde o resgate da tradição local e a atualização da linguagem artística são elementos criadores de uma nova expressão.
    • A influência de artistas estranhos à cultura nórdica, como Joan Miró e Wassily Kandinsky, aliada à particularidade de cada país, constitui uma integração produtiva, que vai contra a realidade da guerra.
    • Relacionando o homem com o mundo, os artistas partem da psicologia de Carl Jung para, através da arte dos loucos, das crianças e dos primitivos, realizar uma arte fantástica, fabulosa e mitológica.
    • Artistas como Karel Appel, Pierre Alechinski e Robert Jacobsen mostram estilos muito diversificados, mas se unem pela coletividade e pela troca de experiências.
    • O marxismo fornece a argumentação teórica para o projeto do CoBrA. Criticando o fato da arte ocidental se tornar instrumento da burguesia, além da Revolução Social é preciso uma Revolução Espiritual. Um dos últimos grupos europeus a usar os manifestos como forma de expressão, baseia-se na ideologia de Marx para propor a integração arte e sociedade. No começo da Guerra Fria, a preocupação dos artistas é encontrar um socialismo diferente do soviético em vigor, onde a liberdade se materialize na arte.
    • O CoBrA é chamado também de "Internacional de Artistas Experimentais”.
    • As primeiras exposições geram um impacto enorme. Além da quebra total do formalismo, os quadros se apresentam desordenados nas paredes, podendo estar tanto próximos ao chão, como quase no teto.
    • O expressionismo violento, os traços surrealistas e o abandono da figuração causam um verdadeiro choque. O grupo ainda publicou a Revista CoBrA (10 edições), boletins, entre outros, para divulgar as ideias do grupo, fazendo com que sua influência fosse ainda maior.
    • Dualidade entre indivíduo e coletivo: se aproximam dos filósofos existencialistas; o quanto as obras dizem respeito ao individual (do artista) e quanto representam parte da nossa essência humana.
    • Ao mesmo tempo esse pensamento está num contexto político específico, da Guerra Fria, e os EUA com sua política cultural vai promover as manifestações do indivíduo e a liberdade da ação.

     

    5ª Bienal de São Paulo

    • Embora as bienais tenham desde o início apoiado essas manifestações internacionais abstratas – e, de fato, foram uma porta de entrada dessas linguagens no Brasil – não significa que não houve uma problematização.
    • Artistas brasileiros, como Portinari e Di Cavalcanti, aderem à abstração só tardiamente e de modo conturbado. Havia um embate moral, sobretudo por causa da vertente que defendia que o artista tinha um compromisso social para representar as questões de uma arte nacional e do homem brasileiro.

    De acordo com a estudiosa Maria Alice Milliet, a premiação de Mabe como melhor pintor nacional ameaçou a posição vanguardista assumida pelo formalismo geométrico no período (MILLIET, 2000: 58). Na época, o crítico Mário Pedrosa se referiu ao evento como uma “ofensiva tachista e informal” (PEDROSA, 1995: 268) pois acreditava que a abstração geométrica configurava-se como resistência ao gosto artístico internacional. Segundo o poeta e crítico Ferreira Gullar, que poucos meses antes da Bienal havia

    assinado o manifesto neoconcreto, desse modo afirmando sua adesão às vertentes construtivas, essa edição foi tão impactante quanto a inaugural. Para ele, a exposição de 1959 representou uma importação das questões da arte abstrata internacional do período, em grande parte, informalista. Para Pedrosa e Gullar, o informalismo tratava-se, portanto, de uma necessidade de alinhamento da arte brasileira com a internacional, um sintoma de submissão cultural. Num momento no qual as tendências construtivas, em sintonia com o ideal de progresso e superação do subdesenvolvimento no Brasil, causavam impacto na cena artística principalmente devido ao estabelecimento de

    grupos, adesão de críticos, publicação de textos e organização de exposições, os prêmios conferidos e a imensa participação de estrangeiros e brasileiros informais na Bienal não poderia passar despercebida.

    [Ana Avelar, EHA, 2011]

    [Citação Argan]

    • Valorização das formas geométricas ditas puras: era também um debate internacional. Na história da arte, isso foi lido também com uma chave evolutiva: a arte, quando chegava às formas geométricas, atingia sua quintessência, sua forma mais pura, imaculada.

      

    Pierre Soulages

    • “Peinture, 237 x 81 cm, 23 février 1990”, Pierre Soulages, óleo/tela, 1990.
    • Composição com material diversos, e não mais o pincel: importância do gesto do artista como marca de sua subjetividade;
    • Pesquisa com o preto e com a refração da luz na mancha: tachismo
    • Diferença e semelhanças entre Soulages e Pollock: gestualidade e expressionismo, mas enquanto Pollock faz isso com a intenção de cobrir toda a tela (uma ideia de explosão), a construção de Soulages é algo pensado, estudado, para cumprir uma função de balanço, de equilíbrio.
    • Gerard Richter: transforma essa pesquisa intuitiva em processo, em série.


  • AULA XIV - 21/11: REVISÃO

  • AULA XV – 28/11: PROVA